Lya Luft: “Eu sou simples e tranquila, mas gosto de escrever sobre as complicações da vida”

A escritora dona de um dos textos mais interessantes e admirados, que lidera o ranking dos maiores vendedores de livros escritos em português na última década do país, confessa: “No momento, estou gostando muito mais de pintar do que de escrever”

 

Dona de um jeito simples de ser, viver e tratar as pessoas, a escritora Lya Luft deixou a equipe de reportagem da Gente Que Faz realmente em casa, ao nos receber em seu apartamento para uma conversa informal, agradável e, sobretudo, muito simples. Viúva de Celso Pedro Luft, Lya é casada, há 12 anos, com o engenheiro e também escritor Vicente de Britto Pereira, que em 3 de setembro deste ano lançou seu segundo livro, “Transportes”. Lya tem três filhos – Suzana, médica e pintora; André, agrônomo; e Eduardo, doutor e professor de filosofia; – e sete netos – três mulheres e quatro homens.

Apesar de escrever desde os 24 anos, Lya só contabiliza seus textos e se considera verdadeiramente escritora a partir de 1980, depois da edição, pela Nova Fronteira, de seu primeiro romance, “As Parceiras”, que teve muito boa repercussão em todo o Brasil. Contudo, o começo na literatura se deu lá entre 1964 e 1965, ao vencer um concurso estadual de poemas do Instituto Estadual do Livro (IEL). “Eu era tradutora dos idiomas alemão e inglês para o português, trabalhava muito e, ao mesmo tempo, às vezes, publicava poemas”, explica. Na época, o jornal Correio do Povo era o principal veículo escrito do Estado, e Lya já tinha um espaço quinzenal de crônica em suas páginas, em uma coluna chamada “Poliedro”. Mais tarde, em 1972, a editora Sulina publicou um segundo livro dela de poemas, intitulado “Flauta Doce”. “Antes de ‘As Parceiras’, apesar de ter três livros de minha autoria, ainda não me considerava escritora, pois a repercussão das publicações ocorreu somente no Rio Grande do Sul, algo bem modesto”, assinala. Em 1980, um pouco antes de publicar seu primeiro romance, ela reuniu as crônicas do Correio do Povo e publicou, pelo IEL, o terceiro livro, “Matéria do Cotidiano”. Lya ainda lecionou linguística no curso de Letras da Faculdade Porto-alegrense, por alguns anos.

 

Inspiração

Ela revela que seus livros não têm praticamente nada de autobiografia. “Não sou a pessoa soturna e sofrida dos romances que escrevo. Escrevo inspirada pela fantasia, a imaginação e a observação que todo ser humano tem. Desde criança, gostava de ficar olhando as pessoas e imaginando o que elas pensavam, o que faziam de verdade, seus pequenos e grandes dramas”, revela.

Lya ressalta que escreve sempre sobre famílias pelo lado avesso, famílias como não deveriam ser, mas que tantas vezes são. “As neuroses, o drama existencial e as dificuldades da vida são assuntos que me interessam para escrever. Mas para viver, não! Minhas netas sempre me dizem que sou uma avó muito divertida! Ainda bem!” Ela destaca que em seus romances as pessoas são bastante neuróticas e atrapalhadas, e confessa que jamais vai escrever algo como ‘casaram, tiveram muitos filhos e foram felizes para sempre’. “Eu gosto de observar e escrever sobre as complicações da vida”, resume

Ela deixa bem claro que a pessoa Lya Luft é uma e seus personagens são outras, em geral muito neuróticas e sofridas, completamente diferentes dela. “Sou muito simples e tranquila, saio pouco e não vou à badalação nenhuma.” Lya diz estar sempre com o marido e a filha, que mora no prédio ao lado do dela com as netas. “Preciso muito de tranquilidade, fico muito quieta. Aí é que as coisas se fazem na minha cabeça.”

 

Detalhe na residência de Lya, quando recebeu a Gente que Faz para entrevista

Simplicidade

Lya destaca sua simplicidade na maneira de ser e de viver. “Não gosto de muita confusão. Os meus livros que não são ficção, que não têm os personagens atormentados que crio, como ‘O Rio do Meio’, ‘Múltipla Escolha’ e ‘Perdas e Ganhos’, por exemplo, refletem bastante a simplicidade de que gosto e cultivo.” Nestas obras, conta, ela fala justamente sobre isso. “A simplicidade é uma espécie de filosofia de vida que se vai adquirindo com o passar do tempo.”

 Beleza e estereótipos

“Acho a beleza, os estereótipos, uma complicação, a antibusca da simplicidade. Algumas pessoas são muito infantis e têm uma angústia muito grande por esse mito da juventude, que todos precisam ser magros, lindos e maravilhosos, e que os homens precisam ser ricos, e por aí afora…, o que não tem nada a ver com a realidade da vida. A realidade é que somos cheios de defeitos e de problemas, e que há coisas tão mais importantes…” Lya ressalta que muitas pessoas hoje estão mais preocupadas com a aparência, achando que necessariamente têm que praticar tantas horas por dia de academia, esquecendo-se de conviver com a família, de prestar atenção nos filhos. “Esse tipo de comportamento ou de forma de viver só traz muita infelicidade, porque você nunca vai ser uma Gisele Bündchen. Acho tudo isso uma perda de tempo e de vida. É a antissimplicidade e motivo de grande aflição para as pessoas.”

A escritora vai além. “Muitas mulheres, e até homens hoje em dia, ao invés de fazer um pequeno retoque, sobre o qual não tenho nada contra, pois têm pessoas que ficam precocemente envelhecidas, exageram e não são mais elas. Acabam não tendo mais nada delas. Isso é neurotizante. Para mim, não traz nada, as pessoas que exageram só ficam mais feias.”

 

Leitura como hábito

Lya acentua que nosso país é muito pobre e que a maioria da população não tem casa, comida, saúde e nem educação. “Apesar de todas as mentiras que nos pregam por aí, nós sabemos que o Brasil é um país de miseráveis, com poucas exceções, fazendo com que a cultura e a literatura se tornem um luxo, claro. E se não temos comida, colégio e saúde, como ainda se dariam o trabalho de comprar e de ler livros? A realidade brasileira dificulta muito a questão cultural”, avalia.

Porém, diz ela, para aquelas pessoas que têm uma vida digna, o livro deveria ser um objeto de consumo como o café e o pão na mesa. “Ter livros em casa é fundamental. Muitas vezes, quando as pessoas dizem que os filhos não gostam de ler, costumo perguntar quantos livros os pais leram no mês ou na semana, quantos livros têm em casa. Pois se os pais não leem, como os filhos vão gostar de leitura? Tem de ser algo normal comprar livros, dar livros de presente.”

Ela conta que na casa de seu pai, em Santa Cruz do Sul, as paredes eram cobertas de livros. “A gente lia não por virtude, mas porque era natural mesmo. Meus avós estavam sempre com romances nas mãos. Se a leitura não é algo cotidiano, é claro que a gurizada não vai gostar e nem ter o hábito de ler.” Lya acredita que hoje em dia os mais jovens até leem, pois há autores de livros juvenis que vendem muito e por quem os jovens são fissurados. “Pelos menos estão lendo”, acredita.

A escritora gosta de ver as pessoas usando a internet e ferramentas como Facebook, mensagens e e-mails para escrever. “Quando eu dava aulas na faculdade, há anos, havia alunos que não conseguiam concatenar cinco ou seis frases boas, e essas pessoas tinham concluído a escola, prestado vestibular e estavam cursando letras. Mas, lá no colégio, não aprenderam a pensar. Vejo que hoje é tudo muito na brincadeira com relação ao ensino, o que acaba num total despreparo do uso do cérebro para questionar, raciocinar e expressar este raciocínio. Estamos vivendo uma época de muita pobreza neste sentido.”

Pintura

Quando o assunto é artes plásticas, Lya conta com muito gosto que agora está pintando sob a orientação da artista Lu Borgheti. “Somos muito amigas, ela é uma grande artista”, elogia. Ela lembra que, há uns quatro, cinco anos, foi para o atelier de Lu e tentou esboçar umas aquarelas, mas como tinha muitas coisas para fazer e andava viajando muito, ficou somente um ano na atividade e acabou saindo. “Mas em novembro do ano passado, eu estava no meu terraço, aqui em casa, onde tenho vários vasos de bougainville, de todas as cores. Eles estavam lindos, aí juntei alguns e pensei que eu poderia tentar pintar. Na mesma hora liguei para a Lu e ela me disse para voltar para o atelier dela. Voltei naquele mesmo mês.” Lá, Lya fica por uma ou duas manhãs sozinha com a artista. “Está sendo maravilhoso, já estou pintando em acrílico sobre tela. A Lu é muito boa mestra. Ela não ensina, orienta. Eu crio e ela me dá uma sugestão. Eu não sabia nem pegar em um pincel, e está sendo maravilhoso. No momento, estou gostando muito mais de pintar do que de escrever”, confessa. “Trata-se de outra maneira de expressão e criação. Tomara que eu seja persistente, que dê certo e que eu continue.” Por enquanto, enfatiza, ela está pintando “de forma caseira”, “como uma iniciante”. “Mais para frente quem sabe faça alguma exposição… Talvez algo pequeno, no ano que vem, mas isso só no dia em que eu estiver bem segura. Por enquanto, os filhos ganharam um quadro cada um de presente”, diverte-se.

Futuro

Em maio deste ano, a escritora lançou “O Tempo É um Rio que Corre”. É provável que o próximo livro venha no segundo semestre de 2015. “Se isso ocorrer, já tenho o título: ‘Os Sentimentos Humanos’”, adianta. Como ela escreve muitos artigos para a revista Veja, deverá reescrevê-los, para não ter aquele ar de artigo de revista, para aí talvez publicá-los, reunidos. Mas não há nada certo, com data marcada. “Publicar um livro dá muito trabalho. No momento, transformei minha cobertura em um atelier, onde pinto, fazendo desta arte o meu hobby, o que está me fazendo muito bem.”

Por Andreia Spalding

Fotos Fábio Martins

 

 



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