Lições e inspirações de Clóvis Tramontina
Publicado em 6 de setembro de 2017Ele recebe Gente que Faz como quem recebe um amigo em casa, com sorriso nos lábios, recordando que esteve há pouco em Lajeado para inaugurar uma nova loja da Tramontina. No instante seguinte, pede para Vania Rommel, sua secretária: “Por favor, lembre que tenho que ligar para a Marilú para ver como estão as vendas na loja nova de Lajeado”. Sim, Clóvis Tramontina, presidente da empresa, não deixou de ser um vendedor. Mesmo à frente de uma das maiores empresas do mundo, continua cuidando dos detalhes, dos números, das pessoas com quem trabalha, dos novos negócios – sem abandonar a tradição
Investir em máquinas, em tecnologia de produção cada vez mais avançadas, criar novos produtos, estar na vanguarda do design, colocar a satisfação do consumidor em primeiro lugar. Se para as grandes empresas essas são as premissas da competitividade e do crescimento, para a Tramontina – e para Clóvis Tramontina, sobretudo – são o ponto de partida para a busca de objetivos maiores: o encantamento, a inspiração para uma vida mais simples, prática, agradável e, porque não, bela. O resultado são os 18 mil itens produzidos em 10 fábricas no Brasil. Uma empresa construída com a ajuda de 7 mil funcionários e para cerca de 60 mil clientes que consomem a marca Tramontina sem pestanejar, sabedores que são da qualidade de seus produtos.
Contudo, uma preocupação aflige Clóvis Tramontina: “o que nós vamos deixar para a gurizada? Não podemos mexer na cultura da empresa. Se chega alguém para trabalhar aqui e não consegue se introduzir nessa cultura, nós temos que ver onde falhamos, não é problema dessa pessoa que está chegando, nós é que estamos pecando em algo. Mas não podemos mudar um modelo que tem 103 anos de história. Somos propensos à inovação, mas temos que cuidar com os modismos”, alerta. Seu maior interesse é esse: as pessoas. “Eu gosto é de gente”, resume. Saiba um pouco mais sobre a Tramontina e sobre Clóvis Tramontina na entrevista a seguir.
A Tramontina trabalha com outros segmentos além de talheres e panelas. O que a empresa vem fazendo para divulgar também seus outros produtos? Há previsão de outros lançamentos de produtos fora do ramo de cozinha, de investimento em outro nicho?
Hoje trabalhamos com tudo que é para casa, para construir a casa, para cuidar da casa e para encher a casa. Seguimos focados nisso. Pensamos, no futuro, em entrarmos com uma linha mais sofisticada de eletrodomésticos, mais de design. Queremos crescer a nossa linha Tramontina Design Collection, uma linha premium, uma linha conceito, que tem canais exclusivos de distribuição.
Como funciona a questão do varejo para a Tramontina? A marca inaugurou uma loja em Lajeado. Por que escolheu esse local e o que espera desse novo ponto?
Temos nossos clientes, que vendem Tramontina. A loja em Lajeado vem da parceria com um investidor, que vai explorar a marca naquele lugar. É um lugar especial porque lá as pessoas podem encontrar todos os nossos produtos, em um só lugar. No ano passado, inauguramos uma loja conceito no Rio de Janeiro, que vende, inclusive, a nossa linha premium. Por que no Rio? Porque o Rio é a porta de entrada do Brasil e queremos aproveitar a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Temos o projeto de inaugurar, ainda em 2014, mais duas lojas conceito. Estamos estudando os melhores locais para isso.
Desde 1995, a Tramontina administra os itens de utilidades domésticas da Wal-Mart, fazendo o chamado gerenciamento por categoria. Por que a empresa resolveu apostar nesse modelo?
Nós adotamos duas filosofias. Na Europa, decidimos não entrar nas grandes redes, só nos pequenos varejos. Nos Estados Unidos, estudamos muito o mercado e vimos que o melhor era entrarmos nas grandes redes. Nada melhor do que trabalhar junto à maior rede de varejo. Desenvolvemos uma plataforma para atendê-los, produzindo produtos made in USA o que, nesse momento de retomada da economia americana, agrega valor, já que as pessoas estão retomando o orgulho de serem americanas e de consumirem os produtos locais. E com o WallMart estamos presentes em mais de 5 mil pontos de vendas por lá.
Como a Tramontina encara as vendas pela internet?
A venda online é uma realidade, sobretudo entre os novos consumidores. Hoje tem muita gente que não quer mais perder tempo fazendo compras em lojas. Mas percebemos, analisando e trocando experiências com o mercado, que as empresas de vendas online precisam ter como base algumas lojas físicas. O on line, no nosso ramo, não se sustenta sozinho. Ainda há muitos clientes Tramontina que preferem ir de encontro a produto. Por isso temos venda pela internet, mas via nossos clientes.
Indo para a área pessoal, como o senhor organiza sua agenda? São viagens, participações em eventos, premiações, congressos… Sobra tempo para o lazer, para a família?
Onde tem gente tá quente (risos). Eu gosto de gente, estou sempre no meio das pessoas. Adoro futebol, acompanho a ACBF, de Carlos Barbosa, sempre. Sou um aficionado por Copa do Mundo, vou às copas desde 1978. A presidente Dilma disse que a nossa Copa será a Copa da Paz e da Diversidade. E o futebol é isso mesmo. A guerra é só em campo. E há gente de todos os lugares, de todas as raças em campo.
O senhor gosta de uma boa mesa? Quais são seus pratos favoritos ou o tipo de gastronomia que mais gosta?
Meu prato favorito é aquele que leva camarão. Quem me acompanha sabe, quando vou ao Nordeste, sobretudo, só como camarão. O pessoal fica enjoado. Mas, claro, gosta da nossa boa comida de origem italiana. E de comida caseira, feita em casa. E saboreando tudo sempre junto à família e aos amigos.
A Tramontina é uma empresa familiar, que começou com seu avô, seguiu com sua avó, seu pai… O senhor lembra de quando era pequeno e acompanhava a empresa? Lembra de alguma história que lhe marcou?
Uma coisa que nunca esqueci foi que eu tinha, no porão da casa dos meus pais, uma fábrica de facas. Eu era uma criança, mas era concorrente da Tramontina (risos). Pegava facas, arrebites, lâminas e fazia no porão as minhas brincadeiras. E lembro que meu pai e meu irmão, Carlos, gostavam de passear na fábrica, de ficar lá vendo tudo, o que estava acontecendo, mesmo à noite.
O senhor chegou a passar por quais funções antes de assumir a presidência da empresa?
Não cheguei a trabalhar no chão de fábrica, mas na área administrativa. Fui telefonista, office boy, levava correspondências no correio dirigindo uma bicicleta. Depois fui crescendo, cuidava dos envelopes para os pagamentos dos funcionários no departamento pessoal. Em todas as funções aprendi duas coisas: a ter disciplina e a respeitar as pessoas. Nunca me atrasei um minuto em algum compromisso meu. Até os 50 anos, eu esperava 20 minutos pelas pessoas. Hoje, as pessoas já sabem, não aguardo nem um minuto. Eu respeito a todos mas todos têm que me respeitar também.
Qual é o segredo do sucesso da Tramontina? E, pessoalmente, de Clóvis Tramontina?
Nosso sucesso começou a ser delineado com o seu Ivo Tramontina e o seu Ruy Scomazzon. Mais inteligente que Ruy, só meu pai, que o escolheu de sócio (risos). Segui muitos dos seus ensinamentos. O principal é acreditar nas pessoas.
E quem é a menina dos olhos hoje para Clóvis Tramontina?
Ah, minha neta Rafaela, de dois anos. Espero ter mais netos, é muito bom.
E há tempo para curtir a netinha?
Isso eu também aprendi com o seu Ruy. Não consigo entender essas pessoas que dizem que não têm tempo para isso, tempo para aquilo. Ele sempre foi uma pessoa muito ocupada e sempre conseguiu dosar as coisas. Esse é o segredo. Eu tenho a minha agenda de papel, espetacular. O que está na minha agenda eu cumpro. Se eu coloco lá que eu vou cortar o cabelo tal dia e horário, eu vou. Sou refém da agenda, mas isso me dá organização e método.
A área de responsabilidade social ocupa um lugar de destaque na gestão da Tramontina. Fale sobre a importância disso para a companhia.
Temos uma preocupação com a educação. Estamos sempre fazendo visitas a outras empresas para verem as suas experiências na área da educação e do auxílio social e nos surpreendemos com iniciativas maravilhosas como as do Instituto Ayrton Senna, da Fundação Bradesco, por exemplo. São inspirações. São casos de fomento da educação que estão dando certo no País. Hoje infelizmente temos professores sendo xingados em sala de aula pelos alunos. Não há respeito. Tenho certeza de que o dia em que tivermos o respeito pelos professores que eles merecem termos uma outra qualidade de ensino. Aqui na Tramontina procuramos fazer a nossa parte, firmando convênios com escolas como o Centro Educacional Crescer, que atende cerca de 500 crianças. No contraturno, elas participam de oficinas de arte, música. Aqui em Carlos Barbosa não temos uma criança de rua.
E para os funcionários, como funciona a Tramontina?
Temos vários projetos que integram os funcionários, uma associação que oferece benefícios como atendimento dentário, um parque esportivo maravilhoso. Mas para além de tudo isso acreditamos que nosso maior trabalho social é manter os 7 mil empregos de forma saudável, pagando tudo em dia, todos os direitos, com o respeito que as pessoas merecem. Confiamos muito em todos aqui. Temos uma gestão compartilhada, com duas holdings, uma da família Tramontina, outra da família Scomazzon. Uma vez por mês nos reunimos com a diretoria executiva das fábricas, para fazermos planejamento, vermos os resultados, os investimentos, os fatos mais relevantes. Nunca fizemos uma ata de uma reunião. Cada um anota sua tarefa, o que precisa ser feito, e seguimos o barco, cada um cumprindo sua função.
Se o senhor fosse começar agora a Tramontina, que caminho tomaria?
A minha intenção é levar a Tramontina à internacionalização. E do começo, a única coisa que faria diferente é não colocar o nome da família na empresa. Nome é marca, é muito importante. Mas meu sonho hoje é tornar a Tramontina uma empresa internacional, com fábricas no exterior. Por exemplo, poderíamos entrar em lugares onde há grande consumo de facões, por que não?
Quanto a Tramontina pretende crescer em 2014?
No ano passado crescemos 15%. Para este ano, pretendemos crescer 17%.
Nada mal se o País também crescesse nesse ritmo, não?
O Brasil só pode crescer, no máximo, 5% ao ano. Não temos infraestrutura para mais. Infelizmente haveria um colapso no País se isso ocorresse.
E, para finalizar, depois disso tudo que falamos e da história de 103 anos da Tramontina… Como o senhor se sente vendo tudo isso?
Tenho muito orgulho, naturalmente. Sempre quis dirigir a Tramontina, sonhava com isso, em seguir com o trabalho do meu pai. Mas minha maior felicidade é ver o sorriso estampado nos rostos dos funcionários. Eles também têm orgulho de pertencerem à família Tramontina. E isso se deve muito ao comportamento do meu pai e do seu Ruy. Meu pai, Ivo Tramontina, está com 89 anos e ainda circula na fábrica todos os dias. O seu Ruy, com 85, faz o mesmo. Ambos são uma espécie de conselheiros das pessoas, no dia a dia. São elas, as pessoas, que fazem essa história.
Publicado na edição 18 da revista Gente que Faz