
Finalmente um herói brasileiro?
Publicado em 8 de março de 2016Anos atrás, Elio Gaspari atualizou uma metáfora sobre o Brasil. Até então o país se enxergava com os olhos de Gilberto Freyre, típica do século XIX, como uma casa-grande com senzala. Mas o Brasil cresceu, se urbanizou e industrializou e precisávamos de uma nova visão que nos resumisse de maneira fácil de entender e ao mesmo tempo nos atualizasse com o século XX.
Gaspari foi genial e criou essa nova visão: haveria a turma do andar de cima acostumada com a riqueza, a opulência, o poder e a impunidade; e também a turma do andar de baixo, o povo, para quem sobraria a conta da farra e os horrores dos serviços públicos brasileiros. A imagem pegou e hoje é usada indistintamente por esquerda e direita conforme suas conveniências.
No entanto, há treze anos, com a chegada ao poder de um líder metalúrgico, pobre e retirante, muitos imaginaram que terminaria essa odiosa distinção entre brasileiros. Finalmente o povo chegaria ao andar de cima e se libertaria de séculos de opressão, mas infelizmente isso não só não aconteceu como as contradições continuaram.
Hoje com a crise instalada e crescendo a cada dia, mais uma vez nossas raízes lusas, nosso peculiar sebastianismo, fazem-nos buscar um novo salvador da pátria.
Em 2013, após o julgamento do mensalão, as esperanças se voltaram para Joaquim Barbosa que, comandando o STF, conseguiu condenar o núcleo político e empresarial desse escândalo. No entanto nosso projeto de herói, súbita e inexplicavelmente rejeita os holofotes e se retira da vida pública logo após o fim do julgamento.
Parecíamos condenados a mais um período de nulidades. Mas algo diferente iniciou no Paraná onze anos atrás. Um jovem juiz federal então com 34 anos de vida, escreveu um artigo premonitório após estudar a operação mãos limpas na Itália. Naquele país, após uma operação judicial inédita, dois partidos literalmente explodiram e centenas de políticos e empresários foram presos. Entre eles estavam quatro ex-primeiros ministros.
Pois bem, em 2004 o jovem juiz federal Sergio Moro escreveu o seguinte: “Na verdade, é ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações. Um Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é condição necessária para suportar ações judiciais da espécie. Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial.” (…) A estratégia de ação adotada pelos magistrados incentivava os investigados a colaborar com a Justiça: A estratégia de investigação adotada, desde o início do inquérito, submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva de permanência na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata no caso de uma confissão (uma situação análoga do arquétipo do famoso “dilema do prisioneiro”).(…) Não se prende com o objetivo de alcançar confissões. Prende-se quando estão presentes os pressupostos de decretação de uma prisão antes do julgamento. (…) Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a Justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio. Registre-se que crimes contra a Administração Pública são cometidos às ocultas e, na maioria das vezes, com artifícios complexos, sendo difícil desvelá-los sem a colaboração de um dos participantes. (…) Aliás, a reduzida incidência de delações premiadas na prática judicial brasileira talvez tenha como uma de suas causas a relativa ineficiência da Justiça criminal. Não há motivo para o investigado confessar e tentar obter algum prêmio em decorrência disso se há poucas perspectivas de que será submetido no presente ou no futuro próximo, caso não confesse, a uma ação judicial eficaz. (…) Os responsáveis pela operação “mani pulite” ainda fizeram largo uso da imprensa.”
Tudo que ocorre hoje na operação Lava Jato já estava descrito no artigo de Moro (http://ferreiramacedo.jusbrasil.com.br/artigos/187457337/consideracoes-sobre-a-operacao-mani-pulite-maos-limpas), e vem passo a passo repetindo o que se fez na Itália. Onde vamos chegar somente o tempo dirá, mas convém lembrar aos excessivamente otimistas que o país da bota, após essa limpeza ética, acabou elegendo Berlusconi!
Mas voltemos ao início da operação Lava Jato, afinal nosso ainda jovem juiz não tem como trabalhar sozinho e precisa de um Ministério Publico afinado com seus ideais. Sim, acredite se quiser, mas num país de cínicos achamos idealistas no exercício de sua função pública.
A ele se juntou um grupo de nove procuradores federais com especializações e idades distintas e que compõem a força-tarefa do Ministério Público Federal que há um ano destrincha o escândalo. O núcleo duro é formado pelo coordenador Deltan Dallagnol, 34, Orlando Martello Jr., 45, Januário Paludo, 49, e Carlos Fernando Lima, 50. Os quatro são veteranos do caso Banestado, investigação sobre lavagem de dinheiro e evasão de divisas que movimentou R$ 30 bilhões nos anos 1990. Do Banestado, que tramitou na Justiça por mais de uma década, saiu o DNA do atual modelo de delação premiada.
Tudo começou com um carro de luxo dado como presente. A Land Rover que Alberto Youssef deu ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa foi descoberta em uma interceptação telefônica, em 2013, no curso de uma investigação sobre doleiros no Paraná. O presente desencadeou a investigação que já levou à cadeia vários ex-diretores da Petrobras, figuras importantes do PT, inclusive um senador em exercício de suas funções, dois empresários bilionários, executivos das maiores empreiteiras do país e à abertura de inquéritos contra três dezenas de congressistas da base aliada do governo Dilma Rousseff.
Isso tudo deveria colocar o país em polvorosa, mas não. Cessaram as passeatas, a crise se instalou, Brasília se faz de surda e muda e Dilma, após decretar que não pagaria mais despesas ordinárias de governo, hospeda-se com um séquito quase imperial em Paris. Será que somos realmente um povo cordial como disse um arrependido Sergio Buarque de Hollanda?
No final de novembro, nosso candidato a herói se mostrava abatido durante uma palestra em São Paulo. Vestido com seu habitual terno, camisa e gravata pretos, como alguém de luto, declarou: “Apesar dessas revelações e de todo o impacto desse processo, não assisti a respostas institucionais relevantes por parte do nosso Congresso e do nosso governo. Parece que a Operação Lava Jato é uma voz pregando no deserto.”
Mas ao invés de desanimar, nessas horas ele busca forças e inspiração em outro juiz para resistir ao desânimo que a reação dos poderosos da república e seus bem-pagos advogados poderiam causar. Trata-se de Giovanni Falcone, um precursor da “Mãos Limpas” morto pela Cosa Nostra em 1992. Antes de ser assassinado, ele comandou um processo que culminou com a prisão de centenas de mafiosos. “Em situações de dificuldade, leio livros sobre ele, e penso: ‘bom, o buraco dele era bem mais fundo do que o meu’. E vamos para frente.”
Por Marcos Frank
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