Rui Spohr: “elegância é estado de espírito”

Por Ana Fritsch

Um bate-papo descontraído com viés de desabafo. O estilista Rui Spohr estava inspirado para dar a entrevista, que durou mais de uma hora, na tarde de 16 de novembro, em sua Maison, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre (RS). Aguardei por ele alguns instantes na butique.  Na parede em frente à porta de entrada, o slogan da grife destaca um conceito: “A sofisticada originalidade do simples”. É mais do que um slogan, é uma forma de agir e pensar que pauta todo o trabalho da grife Rui. Subi para o segundo andar, no espaço exclusivo para as clientes da alta costura, com poltronas aconchegantes, algumas de estilo neoclássico. Numa das mesas de canto, ao meu lado, porta-retratos com fotos de noivas e debutantes, com Rui, muito fotogênico, ao fundo. Pensei: “Parecem-se com as imagens que vejo nos livros, com Christian Dior ou Yves Saint Laurent ao lado de suas musas… um estilista com todo esse talento aqui, pertinho…”.

Sempre elegante, Rui chegou à sala vestindo traje azul marinho, com camisa listrada em tons claros, incluindo tons de rosa e bordô, sapatos e meias bordô. Assim que apareceu, cumprimentou-me, perguntou sobre meu trabalho e então disse: “As pessoas, hoje em dia, insistem no lugar comum. É preciso ter muita personalidade para vestir algo diferente. 90% das noivas e das debutantes usam vestidos tomara que caia. É um decote lindo, sensual, mas indicado para mulheres de ombros altos e largos. E geralmente quem não poderia usar o modelo o usa”.

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E assim começamos a falar sobre moda, crise, tradição religiosa, tendências para as próximas estações, blogs de moda e fotos de revistas. Para Rui, em eventos religiosos, como o casamento, as noivas deveriam ser mais comedidas e não deixar a parte de cima do corpo muito à mostra. “Além do que, parecem todas iguais nas fotos”, critica. O mais interessante, diz, é que o mesmo estilo está sendo repetido por mulheres de 50 e 60 anos. “Admiro o otimismo delas diante do espelho, porque não veem que não é mais o decote que deveriam usar”, observa o primeiro estilista brasileiro com formação em Paris.

“A jovialidade não está no decote, no braço de fora ou na saia mais curta, e sim na maneira de agir. Jovialidade é um estado de espírito”, afirma Rui que, logo em seguida, complementa: “Gostaria de usar jeans skinny, que está na moda, mas, na minha idade, não tenho o viço e a forma de caminhar para isso”.

Fala com propriedade. Em 1952 foi estudar na Chambre Syndicale de la Haute Couture Parisienne, em Paris. Entre seus colegas estavam Karl Lagerfeld e Yves Saint Laurent. Nos anos 60, participou dos memoráveis desfiles da Rhodia. “Ao longo da minha experiência no mundo da moda, percebi que as mulheres só definem um look quando estão parecidas umas com as outras. Querem ser diferentes e caem na mesmice”, revela o estilista.

Rui não quer falar muito sobre o passado, prefere olhar para frente e projetar as próximas estações. “O passado na moda às vezes é negativo. Moda é sinônimo de renovar.” Durante nosso bate-papo, não fizemos retrospectiva de sua brilhante carreira, tampouco falamos sobre amenidades.

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A respeito dos ícones da moda, para Rui, a mulher do momento é a Duquesa de Cambridge, Kate Middleton, que, desde seu noivado com o príncipe William, tem inspirado estilistas de todo o mundo com seus looks clássicos e básicos. Percebe-se esta tendência nos comprimentos de saias e vestidos mais comportados. “As mulheres estão usando menos calça e jeans e mais vestidos”, afirma.

Curiosa sobre sua opinião a respeito dos blogs de moda (afinal de contas, tenho um), introduzo o assunto e o estilista é enfático. “Minha opinião é antagônica. Eles desmistificam a moda e ao mesmo tempo a vulgarizam e cansam.” E muda de assunto.

Quem seria uma pessoa com estilo, pergunto. “São pessoas que não se vestem para os outros. O estilo é a moda adaptada ao seu estilo de ser. Uma mulher que faz tudo naturalmente tem estilo.” E como são as mulheres de hoje, emendo. Ele para, reflete. “As mulheres estão ao mesmo tempo evoluindo e se perdendo. Posso estar sendo contraditório, mas é isso, acho que, neste sobe e desce, elas conseguirão o equilíbrio.”

Um exagero para Rui são as plásticas. “Todos nós temos que pensar em cuidar da aparência, mas sem exageros. O limite é o momento de parar. A maioria das mulheres que chassent du temps perdu (correm atrás do tempo perdido) se perdem”, alfineta.

Mesmo com mais de 50 anos de trabalho, Rui segue atento a tudo o que acontece no meio fashion. Sua vitrine, no dia em que estive na Maison, não poderia ser mais atual. Vestidos de festa color blocking.

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Moda e crise

A crise financeira mundial, que estremece os países europeus, não deve afetar o mundo fashion, na opinião do estilista. Ele não vê isso como um problema, e sim como uma oportunidade de renovação na moda. “Épocas de crise, como na Primeira e na Segunda Guerra mundiais, são períodos em que a moda se recicla, se reformula”, diz.

Ao menos foi o que realmente aconteceu nas últimas décadas. Na Primeira Guerra, os homens partiram para a batalha e as mulheres precisaram trabalhar em correios, trens, lojas. E não havia carros para elas se deslocarem, movimentavam-se de bicicleta. E graças a essa adaptação, para andar nas bicicletas, as saias ficaram mais curtas e amplas. As mulheres também reutilizaram roupas dos maridos e dos pais e passaram a usar camisa com gravata, casacos amplos com bolsos, looks mais masculinos. Nas fábricas surgiram os uniformes e mulheres começam a usar roupas de trabalho, como macacões, até então usados pelos homens.

O período da Segunda Guerra Mundial é conhecido, na moda, como de recessão e originalidade.  Os ombros ficaram mais largos, porque as mulheres também usavam os paletós dos maridos, assim como turbantes e chapéus para esconder os cabelos sujos e faziam toucas de crochê. Os vestidos tinham acabamentos nas mangas e bolsos aplicados, além de flores e broches, reaproveitamento de tecidos de cortinas e tolhas de mesa. Os cabelos ficaram compridos e os sapatos ganharam saltos de madeira, pois o couro estava em falta. E havia ainda o truque de maquiar as pernas com um óleo que secava e imitava a meia-calça, alongando a silhueta.

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A padroeira dos estilistas

No dia 25 de novembro, comemora-se o dia de Santa Catarina, padroeira dos estilistas, tradição francesa que Rui incorporou na Maison desde que voltou da sua temporada de estudos em Paris, em 1955, e mantém até hoje. Ele sempre faz promoções de produtos na loja, com descontos especiais nos dias 24 e 25 de novembro, e as clientes são recebidas com mimos. No dia 25, um padre da paróquia de Santa Catarina vai até a loja e faz uma bênção especial para toda a equipe de trabalho. Também nesta data é inaugurada a decoração de Natal da Maison Rui.

Rui conta que, até os anos 1970, em Paris, toda moça solteira ou “descompromissada”, com mais de 25 anos, fazia seu próprio chapéu divertido, engraçado e desfilava o acessório pelas ruas chiques da cidade, festa que, depois desse período, ficou restrita às escolas de estilismo.  Aliás, a Maison Rui começou exatamente com chapéus, inspiração que veio do velho continente.



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