Carmen Ferrão personifica a máxima “paixão pelo que faz”
Publicado em 18 de setembro de 2018A Superintendente de uma das maiores redes do varejo nacional segue reinventando a empresa criada pelo pai, Lins Ferrão, agora com os pés fincados também na gestão online. Para ela, a maior certeza é aquela que bem do coração, da paixão
Carmen Ferrão não para. Com paixão, ela dirige, junto aos irmãos e primos, o Grupo Lins Ferrão – leiam-se Lojas Pompéia e Gang -, sempre reinventando. “Isso faz parte do meu DNA e do DNA da empresa. Meu pai mudou completamente a loja em 1974, quando deixou de vender só artigos masculinos para ampliar o mix e conquistar a dona de casa, a mulher, que era quem tinha o poder de compra”, lembra. Depois, em 2004, chegou a vez de ela provocar mudanças e, desde o último ano, a timoneira trabalha a inserção nacional da empresa, com o e-commerce. Medo de mudar ela já deu mostras que não tem, não é mesmo? “O medo faz parte da vida. Ele é como uma febre: quando você sente, tem que diagnosticar de onde vem. Muitas vezes, é o medo do novo, de enfrentar algo diferente. Minha dica é procure se ouvir, acreditar no seu potencial, ter coragem de arriscar, tentar. A maior certeza é aquela que vem do coração, da paixão.”
Como se trabalha para acompanhar um mercado cada vez mais movimentado e virtual?
Estamos com os dois pés fincados no processo de expansão. Em outros Estados, nós não vamos ter um número de lojas físicas como temos aqui no RS. Vamos ter lojas em cidades estratégicas, mas a grande expansão no Brasil, hoje, é via e-commerce. Ainda há o cliente que prefere ir à loja, experimentar, tocar, ver a textura. Mas seja virtual ou física, quando o cliente chega na loja já sabe o que quer, está muito mais bem informado, às vezes mais do que o próprio vendedor. Então, também temos que ter o olhar bem forte para instrumentalizar os vendedores, para que estejam preparados para atender o novo cliente que sabe muito bem o que deseja.
Como perceber o desejo desse novo cliente?
Há alguns anos, eu promovia encontros com as clientes, fazíamos pesquisas. Hoje, os clientes emitem suas opiniões no site, nas redes sociais. Eu sou copiada em todos os “Fale Conosco”, eu gosto muito de ler, de ouvir. E eu estou de olho no cliente até quando paro no trânsito. Observo as pessoas em diversos lugares e ambientes, isso é ter o olhar amplo para o cliente. Varejo é isso, é olhar o cliente e perceber, ter esta sensibilidade.
Qual o perfil da mulher que compra em suas lojas hoje?
Percebo que são mulheres muito dinâmicas, evoluídas. Muitas delas sustentam a família. No nosso caso, 70% das gerentes são mulheres em nossas lojas. Vejo uma grande curiosidade com o mundo, elas com muita vontade de crescer e, ao mesmo tempo, elas são extremamente femininas, se preocupam em estar bem, serem cuidadas e cuidarem-se. Há quatro anos, fui fazer um curso de Gestão Avançada, na França. Na primeira aula, o professor falou em Revolução Feminina no Mundo, tão importante quando a Revolução Industrial. Hoje as mulheres estão no mercado de trabalho, têm menos filhos, com isso a população está ficando mais velha. Muitas mulheres querem ser mães, mas querem ser profissionais, terem direito à vida pessoal. Todo esse processo mudou muito e virou uma questão de economia e de mercado. Em todos os segmentos, a influência da mulher é muito forte e tende a aumentar ainda mais. Hoje há mulheres de 80 anos ícones da moda, por exemplo. A mulher pode influenciar sempre e em diversos segmentos.
Você, de certa forma, representa uma revolução feminina na empresa que comanda.
Isso para mim é muito estimulante. Eu convivo com homens muito interessantes na minha empresa, junto com os meus dois superintendentes e eles são ótimos, cada um de um jeito. Meu pai era uma pessoa extremamente forte, com opiniões muito acirradas. Nós dois tínhamos diálogos muito intensos. Fui a primeira mulher a ser vice-presidente do CDL, fundei a Associação de Jovens Empresários… Na nossa empresa, não sinto nenhum tipo de preconceito por ser mulher. Mas eu acho que existe uma diferença entre homem e mulher que não se questiona, é preciso entender isso. Mulheres têm TPM, menopausa… Homens têm outras questões. Esse é o bacana da história, o complemento.
Você assumiu uma empresa com muita história. Como se deu isso tudo, essa sucessão? Como é trabalhar com uma empresa familiar?
Eu penso, depois de tantas coisas vivenciadas, que sucessão a gente faz na infância. É lá que temos as primeiras vivências e, conforme a gente presencia, se envolve, se apaixona e mergulha ou vai para um lado completamente oposto. Eu brincava nas caixas dos depósitos das lojas, ia aos churrascos para os funcionários no dia 1º de maio. Ali foi plantada uma sementinha para gostar do varejo.
E como foi passada a missão de comandar a Pompéia para a segunda geração?
De forma muito natural, tranquila. E, para mim, particular. Um dia recebi uma caixa de camisa com vários recortes de jornais sobre as aberturas das lojas pelo Interior. Eu peguei aquela caixa e pensei: “agora é a minha vez e vou com tudo!”. Entendo que esse conceito de empresa familiar seja muito discutido, porém ele tem que ser muito bem entendido. Se a família tem uma boa relação, ela vai levar isso para dentro da empresa, dentre aqueles executivos que escolheram fazer carreira dentro da empresa. Ser da família não é sinônimo de ser um sócio, um executivo. No meu caso e no de outros da nossa família, que escolhemos ser da empresa, foi uma opção seguir carreira. E, também, talvez, por ser filha de fundador, ser a primeira filha, eu sempre tive esse desejo de deixar a minha marca, de cumprir o meu papel para que essa empresa se perpetue. A gente não faz uma empresa para a gente, mas para o mercado, para ela se perpetuar, para seguir em outras gerações. Cada geração tem a sua missão, eu sou da segunda geração, estou procurando cumprir a minha. A preparação das gerações que comandam a empresa se faz de 25 em 25 anos. Nós montamos um sistema de gestão muito particular que, talvez, em outra empresa, não funcionasse, mas, na nossa, funciona muito bem. E, na verdade, se eu pudesse resumir em uma palavra o que existe entre nós, eu diria que é um amor, um respeito muito grande, não existe uma disputa de poder na família.
E tuas filhas trabalham contigo…
Sim, entendemos que era hora de a terceira geração entrar para ajudar a tocar o negócio. Ana Luiza é diretora-geral da Gang, Ana Paula cuida do marketing da Pompéia. Nunca forcei nada, mas elas sempre se mostraram interessadas pelo negócio, como eu me interessava lá nos tempos do meu pai. Elas se criaram me vendo envolvida nas lojas e conversando sobre isso em casa, foi natural que elas seguissem esse caminho. Elas adoram o que fazem e está dando muito certo. É um desafio para todos nós, nesse nosso mercado de surpresas. Mas também percebo um diferencial nosso em relação a outros mercados, porque a gente aprende a lidar com a diversidade.
No teu dia a dia, dá tempo para sair, namorar, viajar…?
Sou uma pessoa bastante entusiasmada com a vida e com as coisas. Acho que faz parte de mim, quando eu abro a janela do meu quarto, eu digo: “Que dia lindo! Que bom!”, “Choveu… que bom”, “Hoje está frio, bom para tomar um vinho…” Eu tenho um olhar sempre positivo. É uma jornada bastante intensa entre a divisão da casa, do lazer, mas o equilíbrio é muito importante. Corpo, mente, saúde, estrutura familiar, estar inteira como pessoa para absorver desafios e mudanças. Poder viajar, poder se permitir, curtir, ter lazer, ter esporte… Eu sou muito favorável a fazer análise, terapia, eu faço. Sou uma pessoa muito questionadora, por isso é importante eu ter o meu divã, os meus momentos de reflexão. Acho atividade física muito importante, é algo que aprendi na família. Meu pai jogou tênis três horas por dia até morrer, meu irmão joga paddle, meu primo é um ciclista e viaja o mundo com a bike dele.
E você ainda cultiva ostras em Santa Catarina?
Faz parte das minhas curiosidades. Um dia eu estava olhando uma criação de ostras e pensei “como seria legal eu ter isso, para poder entender como funciona”. Aí, fui procurar saber quem era o maricultor, o dono do espaço de ostras. Foi uma das lições mais legais, com uma das pessoas mais simples que eu já conheci, o seu Vilmo. Perguntei a ele, de surpresa, se ele não queria fazer uma sociedade comigo. Ele me rebateu a pergunta dizendo que uma pessoa, para criar ostras, tem que entender como funciona. Se topasse ir no barco ver o processo, ele iria pensar se poderíamos virar sócios. Aceitei na hora e não deu outra! Depois, fui até à universidade para ver todo o processo. Neste ano dei um tempo, mas já estou com saudades. Tenho que ir lá retomar os negócios com o seu Vilmo!
E a paixão por cosméticos? Vem um novo negócio por aí?
Minhas filhas me fizeram uma surpresa no meu aniversário. Elas produziram um batom dourado com a minha assinatura, para presenteá-lo aos convidados. Foi como ver um sonho materializado. Sempre adorei cosméticos. Gostaria de entender mais esse mercado e criar uma marca que fizesse a diferença para as mulheres. Que provocasse com uma frase como “Para mulheres que amam o que fazem.” Eu vivo para personificar esse slogan e quero que as pessoas, sobretudo as mulheres, lutem para viver assim também, com paixão pelo que fazem. Por enquanto, é um sonho.
O que é preciso ter ou fazer para ser uma empreendedora assim, como você?
Precisamos saber lidar como medo. O medo faz parte da vida, é como uma febre: quando você sente, tem que diagnosticar de onde vem. Muitas vezes, é o medo do novo, de enfrentar algo diferente. Procure se ouvir, acreditar no seu potencial, ter coragem de arriscar, tentar. Não podemos prever o futuro, algumas certezas se têm. E a maior certeza é aquela que vem do coração, da paixão. Se a pessoa quer muito, se ela se escuta, percebe o seu talento, pode começar com um pequeno negócio, com algo simples, mas que tenha um sentido, um significado. Isso naturalmente vai crescer. Todas as histórias de crescimento nunca começam grandes. É importante se escutar e deixar a paixão te levar mais do que a razão. Não é a toa que o título do meu livro, que lancei há alguns anos e estou pensando em atualizar, é “Em Busca da Emoção: o Sentimento Transforma o Marketing na Virada do Século”. As marcas, como as pessoas, precisam tocar o coração.
Fotos Liane Neves
Texto Andrea Lopes
Publicado na edição 39 da revista Gente que Faz