VANJA HERTCERT, a arquiteta do vinho brasileiro

Não é exagero algum dizer que o vinho moldou a carreira da arquiteta Vanja Hertcert. Formada há quase 40 anos, ela dedicou 30 deles a trabalhar num nicho tão específico quanto sedutor: as vinícolas

Sol em Mosaico Se a vinícola tem “sol” no seu nome, nada mais autêntico do que existir um sol imortalizado na Cave do Sol, projetado por artistas para traduzir o sonho de família proprietária da vinícola. Uma imagem multicolorida, cheia de linhas traçadas à mão, quase primitiva, forma um novo conceito de sol e, claro, encanta os turistas.

 Trabalhando há 10 anos como arquiteta em Porto Alegre, fazendo projetos diversos, em 1995, Vanja recebeu um convite da Tecnovin, para desenvolver um complexo de enoturismo no Vale dos Vinhedos. Começava uma relação que perdura até hoje.

“Eu acabei saindo de Porto Alegre e fui morar em Bento Gonçalves. Não imaginei que fosse mergulhar tão fundo nesse mundo. Por fim, o projeto da Tecnovin acabou não se formalizando, mas eu já estava com um pé no Vale dos Vinhedos e fui convidada para fazer outros projetos lá. Além disso, não conheço quem entre no mundo do vinho e não se apaixone, porque ele realmente é sedutor”, declara.

Sedutor e exigente, diga-se de passagem. Vanja passou a buscar inspiração e conhecimento nesse mundo novo. Os primeiros passos foram estudar e marcar presença, participando permanentemente de feiras internacionais que visitavam os grandes players do mundo do vinho e acompanhando o setor muito de perto.

“O vinho tem demandas muito específicas, é um produto que exige conhecer espaços de vinificação, de guarda, de comercialização e de experiência. Como arquiteta, precisei conhecer isso tudo. Ou como eu iria interferir em espaços tão complexos desse universo que é tão peculiar?”, questiona Vanja, que nunca parou de estudar e, inclusive, acaba de concluir um mestrado em Viticultura e Enologia.

Além de vinícolas, Vanja também executa projetos como adegas, restaurantes, lojas especializadas em venda de vinho e espaços de enoturismo. Ou seja: o vinho está na essência de qualquer projeto.

Vinícolas Brasil afora

Se não podia existir lugar melhor para se aperfeiçoar em projetos relacionados ao vinho – Vanja mantém um escritório em Bento Gonçalves, com uma equipe de seis arquitetos que trabalham especificamente nessa área –, hoje essa expertise está presente país afora. O escritório já concluiu ou tem projetos em nove estados brasileiros.

“Existe um movimento efervescente de expansão do vinho no Brasil, um campo forte para a viticultura. Há uma modernização que possibilitou a expansão do fazer vinho para territórios em que antes era impensável. Hoje, além da viticultura tradicional, aqui no Sul, temos a viticultura tropical, no Nordeste, e a viticultura de inverno, que abrange o Sudeste. E vinhos de alta gama sendo produzidos em todos estes locais”, comemora.

 

Modernidade com respeito à tradição

Esqueça aquela ideia que vinícolas são castelos medievais, cheios de objetos arcaicos. Uma das marcas do trabalho de Vanja é respeitar a tradição, mas nunca esquecer do tempo presente. O que é um desafio.

“Eu insisto que um projeto não pode nascer velho. As pessoas confundem tradição com coisas velhas. Manter a tradição não é permanecer fazendo vinho como nossos ancestrais faziam, é continuar fazendo vinho só que da maneira que nosso momento exige. É preciso lembrar que uma vinícola é uma indústria, que precisa de iluminação e temperatura adequadas, em alguns momentos precisa de gravidade… Mas também precisa ser encantadora para criar memórias”, explica.

Com propriedade, Vanja acrescenta ainda que tudo isso deve estar harmonizado ao entorno. Áreas externa e interna precisam passar uma mesma mensagem.

Don Laurindo e ‘engarrafar poesia’ num ambiente que conjuga eficiência e beleza

“Uma vinícola deve ser um lugar onde a tradição encontra a inovação, onde cada detalhe arquitetônico contribui para a experiência total do cliente”, destaca Moisés Brandelli

Como uma empresa familiar, a Don Laurindo acredita que a tradição e o legado são fundamentais em tudo que faz. Assim, a arquitetura da vinícola não é apenas uma questão de estética, mas uma extensão da nossa filosofia de trabalho. Construída em 1990, a Don Laurindo, de Garibaldi, tinha um desenho tradicional de vinícola – um prédio de alvenaria e caves de pedra para guardar vinhos engarrafados.

A partir de 2004, os diretores Ademir Brandelli e os filhos Moisés e Lucas (Ademir e Moisés são enólogos e Lucas é engenheiro agrônomo) começaram a perceber que as obras de ampliação que projetavam fazer naquele ano deveriam ganhar um novo olhar, já que o turismo ganhava cada vez mais fôlego no Vale dos Vinhedos.

“Com a colaboração da arquiteta Vanja, temos buscado harmonizar a funcionalidade operacional com um ambiente que encante nossos visitantes. Cada espaço é pensado para refletir a qualidade e o cuidado que dedicamos à produção dos nossos vinhos. Isso inclui considerações ergonômicas para a lida nas vinificações, assegurando que o bem-estar da nossa equipe esteja em harmonia com a beleza e eficiência do ambiente”, observa Moisés.
Ele, assim como toda a família Don Laurindo, acredita que uma vinícola deve ser um lugar onde a tradição encontra a inovação, onde cada detalhe arquitetônico contribui para a experiência total do cliente.
“Isso não só melhora nossa operação, como também cria um espaço acolhedor que convida os visitantes a imergirem na cultura do vinho e na história da nossa família”, destaca Moisés, apaixonado pelo negócio e por encantar clientes.

 

Vem aí um livro

 

Além do escritório, Vanja é professora na URM-SP, no MBA de Arquitetura do Luxo e, nos últimos meses, tem se dedicado à produção de um livro, que deve ser lançado em setembro. Para a obra, ela selecionou 40 projetos que contam a sua trajetória. São 20 projetos executados e 20 em prancheta, desde pequenas vinícolas urbanas, até a emblemática Uvva, na Bahia, um projeto de longa maturação, que levou oito anos para ser concluído e teve a participação de Vanja desde a escolha da área. Embora seja um livro autoral, ele também trará outras vozes, mostrando outro viés do mundo do vinho, como a sua importância socioeconômica e o papel da marca e design para o vinho. “Será mais que um livro só sobre arquitetura”, antecipa.

Cave do sol

A Cave do Sol, vinícola de Bento Gonçalves, é um exemplo da dedicação de Vanja. Ela nasce de uma empresa familiar desativada, de Flores da Cunha, que adquire uma área de terras em Bento Gonçalves, no Vale dos Vinhedos, no ano 2000. O projeto foi amadurecido e inaugurado somente em 2022.

Hoje, mais do que apenas uma indústria, a Cave do Sol é uma referência em enoturismo. Todo o complexo tem mais de 7 mil m², sendo que 2,5 mil m² são dedicados à experiência dos visitantes. A obra foi construída do zero, mas trouxe referências da família, da vinícola em Flores da Cunha.

“Fomos até lá buscar materiais. Tratamos a madeira daquelas pipas gigantes e transformamos em portas e mesas. Trouxemos tijolos de lá, que revestem a vinícola. O passado entra no projeto como uma forma de olhar para o futuro”, assinala Vanja.

Uvas ao Sol

Da Vínicola de Flores da Cunha também veio um acervo que foi transformado em arte. Com a ajuda de artistas contratados especialmente para o projeto, centenas de peças metálicas, cortadas dos aros das pipas que armazenaram suco e vinho por décadas na antiga vinícola, foram dispostas uma a uma, de forma a contar em linguagem gráfica minimalista, dezenas de anos de história. Representam a uva, matéria-prima que domina a paisagem e a produção do Vale dos Vinhedos.

Conteúdo publicado na edição59 da revista Gente que Faz

IT LIST de fornecedores da aquiteta Vanja Hertcert para seus projetos:

LUMINESCENCE | MÁRMORES DA CAMMINO PEDRAS | NOLAN COLLECTION | MADESOL | FARRAPOS PREMIUM

 

Fotos: Isadora Guarnier e divulgação

 



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