Vai uma “redonda” aí?
Publicado em 30 de agosto de 2016Sim, desde que seja herança familiar, com selo napolitano de origem e que venha com amor que passa de geração em geração
Imigrantes italianos fizeram de São Paulo uma das capitais da pizza e casas alegres sempre cheias não desapontam aqueles que esperam por uma mesa saboreando o fantástico pão de calabresa. São Paulo é a segunda cidade que mais consome pizzas no mundo. São 720 por minuto e mais de um milhão por dia. Em número de pizzarias, só perde para Nova Iorque. Aliás, as duas metrópoles têm algo em comum: uma enorme colônia italiana, que se formou no fim do século 19, com as levas de imigrantes que vieram com suas tradições, costumes e paixões. À capital paulista deixam de legado mais de seis mil pizzarias e o resultado disso é que, como Nápoles, na Itália, se tornaram também capitais mundiais da pizza. Aqui, a redonda ganhou até um dia só para ela: dez de julho!
O que os imigrantes italianos trouxeram para a América tem, provavelmente, mais de 6 mil anos de história, mas só ganhou a forma atual em 1889, quando um cozinheiro da cidade de Nápoles, chamado Rafaelle Esposito, criou um prato para homenagear a rainha da Itália, Marguerita de Saboia. Sobre uma massa redonda, ele colocou três ingredientes com as mesmas cores da bandeira do país: o verde do manjericão, o branco da mussarela e o vermelho do tomate. Nascia, assim, a Margherita que se tornou o grande modelo da pizza moderna.
Hoje, a Associação da Verdadeira Pizza Napolitana tem critérios para classificar os estabelecimentos ao redor do mundo que seguem o tipo de preparo criado na cidade italiana. Ingredientes, tamanho, tempo e tipo de forno devem obedecer um padrão. Existem 500 pizzarias em todo o planeta com o selo de aprovação da associação, e poucas apresentam o selo na capital paulista. Dentre elas, está a Speranza, a primeira a recebê-lo e, até hoje, serve a Margherita na receita original. O Tortano, pão de linguiça com calabresa “dos deuses” é o boas-vindas pecaminoso na mesa em que fomos muitíssimo bem-atendidos pelo simpático garçom Edson Pereira da Silva.
Prestes a comemorar 57 anos, a Cantina e Pizzaria Speranza tem uma história cheia de sucesso e com definitivas contribuições à gastronomia de São Paulo. Tudo começou com o talento e a disposição dos Tarallo, que na segunda metade da década de 50 deixou a terra Natal, Nápoles, atravessou o oceano e fincou âncora em solo brasileiro para aqui construir essa história. Francesco Tarallo com o filho Giovanni e, logo depois, Dona Speranza com o filho Antonio, deixaram o porto italiano carregados de espírito empreendedor e de receitas, aquelas elaboradas no dia a dia em família, com a tradição do Sul da Itália e as muitas influências da região que de forma autêntica vieram aqui representar.
Assim que chegaram, Speranza, Francesco e os dois filhos começaram a servir seus pratos para um pequeno público, em pequenas instalações. Pouco tempo depois, mudaram-se para o Bixiga, inaugurando a Cantina e Pizzaria Speranza.
Sem abrir mão uma única vez da identidade de sua cozinha, de suas tradições e sempre atentos à qualidade extrema em todos os itens e ingredientes, o empreendimento foi crescendo, ganhando a admiração e tornando-se referência absoluta da boa e autêntica gastronomia napolitana. Desde que a imprensa especializada e seus críticos lançaram rankings por excelência gastronômica, a Speranza esteve sempre na liderança como a melhor pizza de São Paulo, metrópole considerada a capital mundial da pizza.
Em 1979, os Tarallo deram mais um passo e inauguraram a filial de Moema, sempre bem frequentada, nossa eleita para a apreciação da qualidade impecável de sua gastronomia. Com uma bela decoração, em suas áreas internas parece trazer o clima de cantina direto da Itália para cá e, nas externas, arborizadas, sofistica em seus pátios internos, convidativos demais no verão. Porém, a importância histórica vai além de ser um case no setor. Foram os Tarallo quem introduziram em São Paulo a tradicional pizza Margherita, os Calzone (pizza fechada), o Tórtano (pão de linguiça genuinamente napolitano) e a sobremesa Pastiera di Grano em receita exclusiva da família, feita do jeito que se faz no Sul da Itália, entre outras iguarias. Com eles veio o jeito napolitano de se fazer pizza, com massa média, bordas generosas, aberta com as mãos (nunca com rolo), farto molho de tomates frescos e coberturas em harmonia de quantidades, sem se sobrepor à massa, assada em forno a lenha em altíssima temperatura. A casa hoje está sob administração da terceira geração da família, sendo que Mônica Tarallo, chef e neta da fundadora, responde pelas criações da cantina e pizzaria. Dênis Arita, baiano, que, há 16 anos como gerente da unidade Moema, muito bem recebe, acompanhou-nos apresentando galeria de fotografias com a história da casa e discorrendo sobre sua relação afetiva com a grife dona desta explosão de sabores.
A tradicional pizzaria também serve massas, risotos e carnes. Porém, nosso objetivo era “viver a casa”, com mesas enormes para famílias inteiras ou grupos de amigos, com luzes apagando e garçons efusivos cantando parabéns nas mesas dos aniversariantes, saborear a mais pedida da casa e aventurar-se depois em sabores especiais, que de tantos, houve dificuldade na escolha. Também degustamos os vinhos da casa, nas opções Merlot e Cabernet, produzidos pela vinícola gaúcha Salton. Aliás, no centro da casa impressionam as diversas adegas climatizadas com uma carta de vinhos surpreendente.
Sim, a casa também é hours-concours na sobremesa. Não tive dúvidas, minha solicitação considerou o clássico da Itália, a Pastiera di Grano, mas admito, a mais aplaudida na mesa compartilhada foi o Cornetto di Nutella, que lembra um rolinho primavera feito de massa doce com recheio de creme de avelã e chocolate, acompanhado de sorvete de baunilha. Buon appetito!
Matéria publicada na edição 30 da revista Gente que Faz
Fotos Divulgação