Do terno e gravata à raia, aos 93 anos

Primeiro lugar no ranking mundial, mais de 100 medalhas de ouro conquistadas, treinamentos diários e vida profissional bem-sucedida. Anton Karl Biedermann, nadador máster do União, que presidiu a Federasul e até agora é uma voz lúcida e valorizada no  meio empresarial e em debates sobre o futuro do RS,  quebra paradigmas e se consagra com um dos grandes nomes do esporte 

Iº Etapa do Circuito Master de Natação – Clube Brilhante Pelotas

Estamos em constante busca para melhorar nossa qualidade de vida. Para isso, muitas vezes precisamos fazer escolhas difíceis e mensurar prós e contras. Por exemplo, trabalhar por muitas horas todos os dias nos levar a ter mais dinheiro, e também custar caro nas relações pessoais e no tratamento da nossa saúde. Com as decisões que tomamos, moldamos nosso estilo de vida, com as consequências sendo mostradas especialmente quando envelhecemos. E chegar nesse período da vida com a plenitude de todas as funções não é para qualquer um.

Anton Karl Biedermann, de 93 anos, é um desses homens. Nadador máster do Grêmio Náutico União, dedica cerca de duas horas diárias para a prática esportiva no clube. Inclui ainda, em outros dias da semana idas na academia. Após três cirurgias de ponte de safena, o esporte se mostrou um companheiro fundamental para lhe ajuda a se manter saudável. “O meu cardiologista falou quando fiz as intervenções: se eu não fosse esportista como fui a minha vida inteira não teria chegado até essa ida, por causa das complicações”, confidenciou.

A rotina de treinamento pode parecer desafiadora, mas tem um motivo: Anton ostenta o primeiro lugar no ranking mundial máster da Federação Internacional de Natação (FINA) na categoria nado de costas, entre atletas de 90 até 94 anos. Em dois campeonatos mundiais, já conquistou 10 medalhas, sendo sete de ouro. Na carreira, são 148 conquistas, considerando competições nacionais, sul-americanas e mundiais. Ele treina forte para em julho participar do Pan-Americano de Masters, que será realizado em Orlando, nos Estados Unidos.

Iº Etapa do Circuito Master de Natação – Clube Brilhante Pelotas

Natação e remo: as duas paixões

A inspiração para começar na natação não foi nada conveniente. Quando era criança, Anton se inspirava em Johnny Weissmuller, ator que protagonizava o Tarzan no primeiro filme, lançado na década de 30. “Gostava de ver a história, mas também como ele nadava nos filmes. Tarzan precisava fugir dos crocodilos e nadava muito rápido, isso me chamou a atenção”, conta. Em Guaratinguetá, cidade do interior de São Paulo, começou a praticar o nado no rio Paraíba, influenciado pela mãe. Teve ainda uma passagem pelo Corinthians, já adolescente, e retornou para Porto Alegre para se matricular no União, em 1941. No ano seguinte, já venceu a sua primeira prova, a Travessia de Porto Alegre. A prova, com 4400m, era disputada em um trecho do rio Guaíba entre a Avenida Sertório e o centro da Capital. “Para mim e para os treinadores foi uma surpresa vencer, pois não tinha tanto treinamento assim. Inclusive havia cinco gorros, feitos de pano, distribuídos entre os competidores pelos treinadores. Eles deram a última para mim, pois acreditavam que eu seria o último”, explicou.

Biedermann conta que as rotinas de treinamento da natação mudaram significativamente, muito por conta das condições apresentadas pela prática esportiva. “No auge da minha condição física, treinava cerca de 1500 metros por dia. Hoje, com 93 anos, faço o dobro dessa distância”, afirmou. À época, o único local disponível para o treinamento era o Guaíba, já combalido pela poluição diária. “Ao lado da sede havia uma injeção de esgoto in natura no rio, mas não tínhamos o que fazer. Ou encarávamos ou trocávamos de esporte. Algumas vezes precisamos passar querosene para tirar os resquícios da sujeira”.

Após um período como nadador, Anton foi convidado a participar da equipe de remo do clube. Permaneceu por alguns anos e, posteriormente, retornou para integrar a equipe de másters, na qual ficou por 30 anos e conseguiu dois vice-campeonatos mundiais. “Foi uma época muito bonita, pois viajávamos para fora do Brasil e participávamos de regatas em lugares belíssimos, como os Alpes Suíços”. Em 1998, fora convidado pelo União para retornar à natação, em um campeonato brasileiro da categoria, e desde então é figura certa em todas as competições.

Iº Etapa do Circuito Master de Natação – Clube Brilhante Pelotas

A difícil escolha entre o sonho e oportunidade

Além de ser vitorioso no esporte e manter a competitividade com mais de 90 anos, Biedermann também é um homem de sucesso na vida profissional. Formado em contabilidade, economia e administração pela PUCRS, esteve à frente da Federação de Entidades Empresariais do RS (Federasul) e do Sebrae, nas décadas de 80 e 90. No seu escritório, especializado em auditoria, orgulhou-se de ser procurado por diversas empresas multinacionais interessadas em se associar e aprender com ele e seus sócios. Contudo, trabalhar na área contábil nunca foi o seu objetivo. “Eu fiz o curso por obrigação. Sequer fui na minha formatura, pois tinha jurado para mim mesmo que jamais trabalharia nessa área, porém um dia recebi uma oferta de emprego para se contador de uma empresa recém-aberta e decidi aceitar. Tive que pegar os livros e estudar novamente”, brincou.

Seu sonho era cursar medicina. Devido à carga horária pesada e às dificuldades financeiras da época, o pai de Anton vetou a escolha, a menos que ele trabalhasse para ajudar no pagamento das mensalidades. Porém, o único turno disponível era o da noite, sacrifício que não estava disposto a fazer naquele momento. “Arrependo-me muito (de não ter feito medicina). Talvez tenha faltado um pouco de iniciativa minha para ter tentado um pouco mais”, afirmou.

Durante a vida profissional, o esporte sempre foi seu fiel amigo. Com cargas horárias pesadas de trabalho, Biedermann não conseguia tempo em alguns dias para fazer uma atividade física. Chegava a ficar 14 horas enfurnado em reuniões, com planilhas e estudos a serem feitos. Até que um dia recebeu um convite para treinar. Receoso devido ao cansaço, resolveu aceitar, e conta como isso transformou sua rotina. “É impressionante o que o esporte faz conosco, mental e fisicamente. Foram inúmeras as vezes que chegava para os treinos estressado e bastavam cinco minutos remando ou dentro da piscina para eu esquecer os problemas. É como se mais nada existisse naquele momento”, explicou.

Inauguração do Parque Aquático da Sede Moinhos de Vento

Mais que um clube, a sua casa

Sócio do Grêmio Náutico União desde há 77 anos, Anton Biedermann sempre teve envolvimento político dentro do clube. Na juventude, foi defensor na luta pela melhoria da qualidade das instalações e fomentar a profissionalização dos esportes praticados, visto a disparidade com clubes rivais nas competições. Na década de 60, foi convidado pela primeira vez para ser o presidente do clube, oportunidade que apareceu em outras duas ocasiões. “Quando estava à frente do União, chegava a vir de manhã, de tarde e de noite para trabalhar, além das práticas esportivas. Passava mais tempo no clube do que na minha casa”.

Biedermann esteve à frente de outros dois momentos importantes do clube. No fim da década de 70, um incêndio consumiu todos os barcos e boa parte da sede na Ilha do Pavão. Mesmo com dificuldades financeiras, conseguiu recuperar o que fora perdido e alavancou as conquistas com as novas embarcações. Poucos anos depois, venceu uma queda de braço acerca construção da sede mais nova, localizada no bairro Petrópolis, idealizada por ele. “Veja, quando queríamos jogar basquete ou vôlei na sede da rua Voluntários da Pátria, precisávamos nos organizar em grupos, pois tinha apenas uma bola de cada esporte. Se chegássemos com um grupo pequeno não nos emprestavam. Sinto-me muito orgulhado de ter contribuído com a expansão do União e ver no que ele se tornou hoje, com toda a infraestrutura esportiva”. Atualmente, ele é o patrono do clube.

A história registrada para a posteridade

Com o sucesso caminhando de mãos dados consigo durante toda vida, Anton Karl Biedermann decidiu registrar em um livro as principais histórias de sua vida. Nele, promete contar passagens engraçadas dos momentos de competição, curiosidades e, principalmente, retratar toda a evolução que ele e a sociedade sofreram durante quase um século. “A ideia é reunir um pouco das histórias no União, da minha vida pessoal e transformar numa boa leitura”, comentou. O lançamento deve ocorrer no segundo semestre, e o nome da obra ainda não foi definido entre Biedermann e Suzana Naiditch, responsável pela publicação.

Já nas piscinas, o nadador já faz seu substituto. Um dos seus quatro filhos, Carlos, resolveu seguir os passos do pai na natação e também disputa competições Brasil à fora. A filha Rosane é outra que se aventura no esporte e, anteriormente, também foi ginasta, mas encerrou a carreira precocemente para dedicar-se ao nado. “Os outros dois filhos não querem nem saber de competir, nem de nadar. Tem pavor só de ouvir a ideia!”, afirmou.

Para Biedermann, o esporte é uma ferramenta fundamental de integração social entre as mais diversas classes sociais. Nos esportes de massa, como o futebol, cujos jogadores, em sua maioria, são provenientes de camadas menos favorecidas da sociedade – e enxergam no esporte uma forma de driblar as dificuldades que a vida lhes proporcionou – a natação também pode oportunizar tal mudança. “Dentro da piscina, nas raias, todos são iguais. Não existe bom ou ruim, existe quem faz bem feito ou mal feito”, definiu.

Por João Carlos Dienstmann

Publicado na edição 39 da revista Gente que Faz

Fotos Divulgação

 



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