Criatividade gastronômica posta à prova
Publicado em 30 de junho de 2016
Até onde pode ir a invenção na cozinha? Os chefs Carlos Kristensen, do Hashi, Marcelo Schambeck, do Del Barbieri, e Lubi Hepp, do restaurante homônimo, respondem.
O episódio do reality show do canal GNT “The Taste Brasil” que eliminou o gaúcho Maurício Olmi trouxe à baila um assunto que divide opiniões no meio gastronômico. O que vale mais na cozinha, ser criativo ou ter bom tempero? No programa, Olmi, que é um dos sócios do restaurante Lucca – Casa de Chef, em Porto Alegre, saiu do embate depois de ter apresentado um quindim com bacon.
O mestre Claude Troisgros, um dos juízes do certame, chegou a falar em “doença da criatividade” na gastronomia atual. O mentor do chef gaúcho, Felipe Bronze, afeito à cozinha molecular e outras contemporaneidades, chegou a chorar depois da eliminação, defendendo a criatividade na cozinha. Mas, afinal, até onde pode ir a criatividade ou a invenção à beira do fogão?
A resposta varia conforme o gosto do freguês. “A percepção de esquisito depende muito de cada indivíduo, da vivência de cada um. Pode vir de um ingrediente, de uma combinação ou até mesmo da montagem do prato”, afirma Carlos Kristensen, um dos chefs gaúchos mais aclamados do Estado, capitão do restaurante Hashi. “Já mostrei vários pratos que foram considerados estranhos (risos). Recentemente, apresentei, num menu degustação, a combinação de tutano, uni – ovas de ouriço – e mandiopan de polenta. Como é uma combinação que normalmente as pessoas não têm registro, ela causa estranheza, apesar do resultado ter sido ótimo!” Para ele, a criatividade na cozinha vai até onde houver o respeito pelo ingrediente.
“Partindo do princípio que praticamente tudo já existe, e invenção é bem diferente de criação, para mim criatividade é fazer o que já existe, mas de uma forma que ninguém espera.” Carlos cita a sua Horta Orgânica, com direito a “terra comestível”, minicenouras, rabanetes, beterrabas, cogumelos. “O cliente faz a ‘colheita’ da horta com uma pá de jardim e rega o molho com um regador. Acho interessante, pois lida muito com o lado lúdico e divertido da comida, que acho fundamental na criação de cada prato.”
Já para Marcelo Schambeck, do Del Barbieri, criatividade é se apropriar da técnica e trazer referências próprias e experiências pessoais (“que sempre são únicas!”) para criar algo de fato novo, na cozinha ou fora dela. “Isso é ser criativo: ser capaz de fazer diversas conexões”, resume. “Não há limites, desde que a comida ainda seja comida e que o sabor seja bom.“ Marcelo anda encantando os clientes de seu restaurante com o uso de técnicas diferentes daquelas que todos estão acostumados, potencializando ingredientes. “Fizemos experimentações para um caldo de cenoura cozinhando-a em seu próprio caldo, extraído numa centrífuga. Isso potencializa o sabor do ingrediente. A língua de boi, pouquíssimo utilizada nas cozinhas de restaurantes e, quando usada, pouco aprovada, ganhou uma versão que faz sucesso por aqui quando defumada e servida com um caldo de carne bem reduzido.”
Em Lajeado, Lubi Hepp, chef à frente do restaurante homônimo de cozinha contemporânea, acredita que a invenção no fogão não tem limites. “Ela tem sentidos. Resgatamos nossas origens, nos inspiramos na nossa vida. Misturamos sabores do nosso passado com toques especialmente nossos. Eu sou filha de um alemão com uma brasileira, quando era pequena comia feijão com banana amassada”, conta. Para ela, cozinhar é viver recriando um passado futurístico, seguindo tendências com as quais nos identificamos. “Cozinhar não tem nada de mecânico, bem pelo contrário, é paixão pura. Experimente colocar uma música ao fundo, estar em casa num domingo bonito cozinhando para sua família, pegando ingredientes da sua horta e apreciando um delicioso Merlot. A invenção da cozinha está acontecendo nesse momento.”
Resumindo: percepções são particulares; ser criativo exige técnica e a escolha de bons ingredientes; e, como tudo na vida, ser criativo é que torna a coisa toda genial. Palavras de chefs!
Por Andrea Lopes
Fotos Divulgação e Raul Krebs
Publicado na edição 29 da revista Gente que Faz