Um novo viés para Letícia Wierzschowski
Publicado em 10 de julho de 2017Romancista por natureza, escritora gaúcha estreia na literatura juvenil com O primeiro e o Último Verão e projeta para maio o lançamento da obra que encerrará a Trilogia Farroupilha, encabeçada pela A Casa das Sete Mulheres
Por João Carlos Dienstmann Fotos Fábio Martins
A dona de enredos que arrebatam e para quem ideias não faltam também nos prende com jeito descontraído de ser ao nos receber em seu apartamento, no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Muitos, muitos livros, arte bem escolhida de talentos gaúchos e design cercam a realidade de uma das escritoras contemporâneas mais ativas que se tem notícia.
Letícia Wierzchowski busca conciliar uma rotina de trabalho e de família. Mãe de João, com 15 anos e de Tobias, com 8, divide a paixão pela literatura com a presença incessante nas atividades dos filhos no dia a dia. Romancista desde o princípio de sua carreira, Letícia teve a ideia de começar com a literatura juvenil, com o lançamento de O primeiro e o Último Verão, em março. Mesmo com a atenção voltada para um novo desafio, a escritora manteve em paralelo àquele que é o seu grande amor: a Trilogia Farroupilha, com o sucesso A Casa das Sete Mulheres. O capítulo final será lançado no mês de maio com a história de amor de Anita e Giuseppe Garibaldi em Travessia. Quem assinará a ilustração da capa do terceiro livro e dos outros dois, que serão relançados, é outro gaúcho, artista ilustrador e designer de talento ímpar, Chico Baldini.
Além de escrever, a gaúcha de 44 anos – sendo 19 dedicados a escrever, com 26 obras já publicadas – também realiza oficinas de literatura pelo Brasil e dá aulas de escrita criativa. Ela recebeu a Gente que Faz para um bate-papo no qual confidenciou uma amizade criada com Thiago Lacerda, que interpretou Garibaldi na minissérie inspirada em seu livro, veiculada pela Rede Globo em 2003, o sonho de ver novos projetos seus irem para a televisão e como é sua rotina criativa.
A Letícia estudou arquitetura, mas não chegou a se formar. Foi dona de confecção de roupas e trabalhou no escritório da empresa de construção civil de seu pai antes de decolar como escritora. Depois, tornou-se uma das maiores revelações literárias do início do século XXI. A literatura já existia na vida de Letícia antes desta consagração?
A literatura sempre existiu, desde o princípio fui uma leitora curiosa. Quando criança, gostava de livros, mas também fui uma jovem comum, com amigos, que gostava de sair à noite, de praticar exercícios. Acontece que a minha criatividade encontrou na ficção a porta para a sua plena realização. Não recebi muito incentivos para começar a ler e escrever, foi um exercício solitário. Gostava da leitura, pedia livros emprestados, fiquei sócia de bibliotecas – talvez eu tenha inserido na minha família esse hábito, e não o oposto.
A maioria dos seus livros são romances. Por que a escolha por esse segmento?
Sou uma narradora de fôlego longo. As pessoas creem que romances são histórias de amor – mas não é nada disso, romance designa a narrativa ficcional de fôlego, com um grupo grande de personagens. Eu sou uma narradora, adoro tecer histórias com 10, 15 personagens, como se fossem todas elas um grande bordado.
O seu grande sucesso literário veio com A Casa das Sete Mulheres, mas todo o contexto do livro Eu@teamo.com.br chamou bastante atenção. Conta para a gente um pouco mais sobre esta obra.
Foi o único livro que se escreveu sozinho, não o escrevi, digamos assim. Fiquei 15 anos casada com o Marcelo e tivemos dois filhos, o João e o Tobias. Nos conhecemos porque ele leu meu primeiro romance, O Anjo e o Resto de Nós. Ele adorou o livro e me mandou um e-mail. Foi o primeiro leitor que me escreveu – a literatura é o instrumento de mudança da minha vida, sempre foi. Enfim, quando casamos, Marcelo disse que faria a lembrança (o livro foi feito para os convidados do casamento, mas acabou editado pela L&PM). Enfim, vida e ficção se complementam. Hoje não estamos mais juntos, mas conversamos sempre. O Marcelo continua sendo um leitor fundamental para mim, já que, por exemplo, lê meus livros antes de serem editados.
Onde busca inspiração para escrever seus livros?
No passado, nos romances de outros autores, na própria vida. E, muitas vezes, é tão intuitivo que nem fica possível nomear em qual chão a semente de um romance vingou. O autor, às vezes, precisa sumir um pouco para reaparecer com ideias novas. Eu me considero com muitas ideias (risos), mas se aparecemos muito, com várias publicações, não temos tempo de nos dedicarmos e produzirmos novas histórias. Escrever romances é um somatório de muitas coisas, algumas delas são impalpáveis. Eu acredito no talento, mas ele precisa ser bem administrado. Senão um romancista escreve um romance na vida e era isso.
Como foi para você ver A Casa das Sete Mulheres virar uma minissérie? O que achou da releitura?
Foi uma diversão. Já faz tempo, mas é uma alegria até hoje. Quando a Globo me procurou para comprar os direitos e transformar numa minissérie, fui alertada que a obra sofreria modificações, mas isso é absolutamente normal. Não há como manter uma narrativa de livro na TV ou no cinema e vice-versa. Além disso, sequer poderia pensar se seria ruim, pois tinha 30 anos à época e, se não fosse bom, então o que seria? Ter seu trabalho levado para mais de 40 países, instigar as pessoas, foi e sempre será incrível. Sem falar na alegria em ver a obra divulgada e pensar “poxa, fui eu quem fiz essa história”.
E a ideia para escrever o livro, veio como?
Quando eu me casei, logo em seguida, fui para São Paulo. Era a primeira vez que moraria fora do Rio Grande do Sul. Como o Marcelo, meu ex-marido, saía para trabalhar, ficava sozinha em casa e até comprei um cachorro para me fazer companhia (risos). Tive a ideia de escrever um romance que se passava aqui no Estado. Ele estava lendo um livro do Tabajara Ruas, chamado Varões Assinalados, e disse para mim: “acho que tem uma história que podes contar e que está nesse livro, mas não vou dizer qual é. Espero que descubras”. Lá, havia uma passagem sobre Bento Gonçalves levar o Giuseppe Garibaldi para a Casa das Sete Mulheres, sem explorar esse cenário. Foi aí que decidi escrever sobre o universo feminino em meio à guerra.
E você ficou bem amiga do Thiago Lacerda, do Jayme Monjardim, com essa adaptação para a TV?
Hoje, o Thiago é meu amigo pessoal. Para escrever o terceiro livro, eu liguei para ele e pedi ajuda para incluir características do Giuseppe. Da mesma forma, quando ele foi protagonista, também conversamos bastante e construímos uma amizade. O Jayme também. Depois que descobriram que eu não era louca e não iria obrigá-los a manter exatamente o que estava nos meus livros (risos), o Jayme, diretor da minissérie, também teve contato direto comigo e temos projetos de novas releituras mais para frente.
Durante praticamente toda a sua carreira, você teve a companhia do seu filho, hoje com 16 anos, na trajetória de escritora. Como foi isso para você?
Como é para qualquer mãe. Eu me divido entre o trabalho e meus dois meninos, João e Tobias. No entanto, fiz um combinado com eles: se precisarem de ajuda para algum tema de casa do colégio ou assunto mais urgente, podem me interromper durante meu período de trabalho. Para as demais coisas, só depois. Eles me inspiram. Comecei a escrever infantis por causa do João e entrei na literatura juvenil também com um pouco de influência dele, com meu livro O Primeiro e o Último Verão.
E quando não está escrevendo, o que a Letícia gosta de fazer?
Eu gosto de praticar esportes, pegar uma praia, ir ao cinema e ficar em casa lendo. Também gosto de ver meus amigos, tomar um vinho jogando conversa fora.
Você é bonita, é escritora de sucesso, é mulher. Há preconceito também no seu meio?
Preconceito contra fazer sucesso eu já vivi na época em que A Casa das Sete Mulheres virou série de televisão. Como diria Tom Jobim, fazer sucesso no Brasil é uma ofensa pessoal, mas vivendo e aprendendo. Meu diálogo fundamental e orgânico é com os meus leitores, meus editores e minha agente literária. Se o autor ficar se importando com cada opinião que recebe, jamais vai publicar qualquer livro. Quanto ao resto, não estou nem aí. Faço o que sei fazer da melhor forma que posso.
Há um sentimento de que as pessoas pararam de ler ou optam por leituras mais simples e mais rápidas. Qual a sua opinião sobre a capacidade de entrega das pessoas, atualmente, para livros mais complexos?
Não sou tão pessimista. Hoje, as pessoas estão mais imediatistas em tudo e não somente na leitura. Vejo que existe outro ponto pouco explorado também: há a cobrança de pais sobre uma possível falta de vontade dos filhos para com os livros, mas vocês, pais, leem? Incentivam? Em casa de leitores, nascem leitores. Além disso, se o material produzido for interessante, instigante, ele sempre terá público, independente da faixa etária. A internet é considerada uma vilã, mas vejo que com compartilhamentos de informações existentes, as pessoas até estão lendo mais do que antigamente.
Quais características você vê como fundamentais para quem planeja ser um escritor?
Todo escritor tem que ser organizado – a ficção é fantástica, mas ninguém escreve um romance sem trabalho árduo, quanto mais 5, 6 romances. Eu adoro uma frase do Picasso que diz: “Que a inspiração me pegue trabalhando”. É um trabalho duro, extenuante, mas maravilhoso. Acredito no escritor que, além de criativo, se determina – a ficção cobra a ausência da vida real, não adianta. São centenas, milhares de horas na solidão. Mas eu nunca me sinto sozinha quando estou na companhia dos meus personagens.
Ser organizado também implica em ter um horário por dia reservado para a escrita. Quando você costuma escrever? Há algum horário pré-determinado, em que se sinta mais à vontade para desenvolver seus textos?
Eu nunca tinha feito isso anteriormente, mas para escrever o romance do Garibaldi, Travessia, eu precisei guardar um horário, pois estava com muitas aulas, oficinas e compromissos em geral. Por isso, todos os dias, entre às seis e às 11 da manhã eu sentava na minha mesa, com um chá quente e com o sol ainda escondido e começava. Fiz isso, pois o dia ainda não engrena bem durante esse período e como não tenho secretária – eu mesma respondo os e-mails, tiro dúvidas, etc. – fiquei mais confortável para me dedicar ao livro. Gosto muito de um escritor japonês chamado Haruki Murakami, que também é maratonista e faz esta analogia do exercíco físico e do processo criativo do romancista.
Este ano você também encerra a trilogia iniciada com A Casa das Sete Mulheres. A obra ganhou edições em vários países da Europa, como Portugal, Itália e Alemanha e está saindo na Croácia. Sua sequência, Um Farol no Pampa, também já saiu na Espanha e na Sérvia. Como é a Letícia depois desse sucesso todo?
É igual a antes, ora (risos). Eu escrevo porque amo, mas tenho muito orgulho desta trilogia que estou finalizando agora – quantos autores brasileiros têm uma trilogia? Em Travessia, sinceramente, dei o melhor de mim. O que sei fazer nesta vida está lá. São 580 páginas de um livro no qual coloquei todas as minhas energias – Anita e Garibaldi são figuras que me tomaram de assalto, como se eu fosse um barco imperial. Foi um tour de força e uma alegria indescritível também. Além de contar a história, temos também que passar um contexto histórico ao leitor para que ele perceba que não é uma situação comum. Tenho muito orgulho deste romance e de todo o processo. Além do mais, a trilogia sairá toda renovada, pela Bertrand Brasil, com capas novas assinadas pelo artista gaúcho – e meu melhor amigo, meu partner criativo, outra alegria da vida- o Chico Baldini.
Publicado na edição 33 da revista Gente que Faz