Rosane Marchetti: “Minha opção foi enfrentar, lutar e superar”

 

Apaixonada pela vida, pelos animais e pela natureza pode-se dizer, sem medo de errar, que Rosane Marchetti, jornalista há mais de 30 anos, é um exemplo de superação quando o assunto é passar por situações difíceis e complicadas que a vida impõe. Natural de Nova Prata, no interior gaúcho, ela recebeu a equipe de reportagem da Gente Que Faz, deixando todos completamente em casa em sua casa, fazendo, inclusive, com que tomássemos conta do manuseio de sua cafeteira, enquanto a aguardávamos para fotos e entrevista

De voz grave, conhecida do público por suas reportagens na RBS TV e na Rede Globo (é integrante do núcleo da Globo na RBS TV RS), onde brinda as pessoas com intrigantes e lindos roteiros que apresenta normalmente no Globo Repórter, Rosane se expressa de forma muito clara e com enorme emoção ao falar sobre sua doença. Em 2011, quando estava com 51 anos, foi diagnosticada com câncer de mama.

Ela afirma que receber a notícia foi, sem dúvida, a parte mais difícil. “Quando a médica me olhou e disse que eu estava com câncer, eu senti o chão se abrir, pois nunca esperei isso.” Rosane contou que naquele dia foi fazer exames, pois havia antecipado em quatro meses seu check-up de rotina. E no exame de ecografia mamária, o médico viu algo estranho, um tumor de menos de um centímetro. Assim, naquele mesmo dia ela fez uma punção, e na hora descobriu que tinha um câncer agressivo e invasivo.

“Naquele momento eu me perguntei: como assim, eu ter câncer? Como jornalista, estava acostumada a entrevistar pessoas e achar que as coisas ruins só acontecem com os outros. E é em momentos como esse que acaba se descobrindo que os outros somos nós também. Naquela hora me dei conta de que eu também era os outros e teria que lutar.”

Nessa hora, a jornalista lembrou-se de todas as pessoas que já tinha entrevistado e que enfrentavam dificuldades e que, de alguma forma, ela havia visto na expressão delas alguma coisa de sorriso, de luta, de enfrentamento, e era nisso que precisava se inspirar. “Não se escolhe ter câncer, ele vem.”

Tratamento – Rosane explicou que câncer tem nome e sobrenome e que nenhum tipo é igual ao outro. “Eu fiz cirurgia e tirei uma parte da mama.” Como o tumor dela era bem pequeno, a médica achou que ia remover tudo nesta cirurgia, mas quando abriu e retirou um linfonódulo para avaliar, foi constatado que a jornalista já estava com dois desses linfonódulos comprometidos. Ou seja, o tumor era pequeno, mas a tendência era se espalhar. Por isso, ela teve que fazer esvaziamento de gânglios. A amostra retirada desta região foi para análise e voltou com o resultado que a margem estava comprometida. Neste momento, a médica disse a ela que poderia optar em tentar matar tudo com a quimioterapia ou operar de novo. Ela optou em operar-se novamente, e 15 dias após submeteu-se à nova cirurgia para tirar outra parte da mama. “O que eu queria era me curar, se tivesse que tirar a mama inteira ou até as duas eu tiraria, pois hoje têm muitos recursos de reconstrução e nunca me preocupei com isso. Além das duas cirurgias, fiz quimioterapia e radioterapia.”

Ficar careca – “Quando tu decides que vai enfrentar a doença, adquire-se uma força que não se sabe de onde vem. Todo o organismo e o cérebro se concentram na sobrevivência.” Rosane sempre usou cabelo comprido e era o que mais gostava nela. Na época, estava com o cabelo bem comprido, e quando recebeu o diagnóstico pensou justamente em deixar o cabelo mais curto para que não perdesse tanto quando começasse a fazer a quimioterapia. Ela foi ao seu cabeleireiro e disse para ele cortar bastante, pois já queria se adaptar com pouco cabelo. “Naquela hora, ele me olhou e disse vamos raspar agora, pois tu vais perder mesmo. E, no momento em que vi no espelho ele raspando meu cabelo, me lembrei dos filmes que se vê e esse tipo de situação numa doença como câncer é uma cena clássica.” Naquela hora, lembrou-se também das guerreiras se preparando para a luta e que normalmente cortam o cabelo. Rosane enfatizou que subjetivamente a tradução disso seria livrar-se da vaidade, pois naquele momento a vaidade não interessava mais.

“Fiquei careca e não tive vergonha de me mostrar careca.” Ela usava boné, pois peruca utilizou raríssimas vezes até para não agredir os outros. “Quando me vi totalmente careca não fiquei triste mesmo. Meu cabeleireiro me deu tanta força e foi tão convicto que era isso mesmo, vamos raspar e vamos em frente!” Afinal, disse ela, isso faz parte da vida e o cabelo vai crescer de novo, como realmente cresceu!

Porém, quando perdeu os cílios e a sobrancelha, também em função da quimioterapia, confessa que foi muito ruim e sentiu-se mal. “Eu me olhava no espelho e aí sim me sentia uma lagartixa. Aí, apelei para os recursos estéticos que existem muito hoje em dia.”

Relacionamento e vaidade – “Fiz terapia durante todo processo de tratamento, que durou cerca de oito meses.” A psicóloga que tratava de Rosane só atende mulheres com câncer, o que a ajudou bastante. Essa profissional é do Núcleo da Mama do Hospital Moinhos de Vento, que tem uma equipe de médicos os quais cuidam de mulheres com câncer. “Com isso, ela pôde me adiantar muitas coisas que iriam acontecer comigo e que já tinham ocorrido com outras mulheres. Ela trazia essas experiências e isso me ajudava.” A psicóloga fazia justamente o que a jornalista tenta fazer hoje, já curada, quando ministra palestras. “Levo minha experiência para que as pessoas possam usar em seu benefício, quando enfrentarem uma situação dessas.”

Com relação ao marido, ela não teve nem a oportunidade de pensar que ia ficar careca ou com aparência de doente. “Desde o início ele me dava banho, comida na boca, quando eu não conseguia comer e me auxiliava em tudo, não deixava minha mãe, nem minha filha (Camila, de 35 anos, formada em direito) fazerem as coisas para mim. Ele foi um companheiro que não largou da minha mão um segundo sequer.” O casal está junto há 15 anos.

Rosane contou que fica sabendo de muitos casos em que os maridos abandonam as mulheres quando elas estão com câncer, mas não porque não gostam mais delas, e sim porque ficam com medo, apavorados com a situação que é muito complicada e triste, porque, na realidade, a família inteira fica doente e abalada. “A gente não tá com cara de doente quando recebe o diagnóstico que tem câncer. Fica-se doente quando se inicia o tratamento, porque incha um pouco, aparecem olheiras, a pele fica amarelada.” Por isso, ela disse com muita convicção, que tinha de reagir. “Eu recebia muita energia, muita força através das redes sociais, de amigos, santinhos que me mandavam de todos os lugares. Tudo eu pegava e acreditava.” A jornalista relembrou que pedia para Deus ajudá-la e dar-lhe força, e nunca teve momentos de depressão durante o tratamento.

Tua paixão pelos animais vem desde quando? Eu sempre gostei de animais. Desde pequena, na minha casa, quando apareciam os bichinhos nós recolhíamos. Se não podíamos cuidar por já haver muitos na casa, a gente procurava um dono para eles. Se um deles passa na minha frente porque tá doente ou porque foi abandonado, pode ter certeza que eu vou cuidar e tratar dele, além de procurar um dono que o acolha, caso eu não possa ficar.

Parada no trabalho – Ela disse que não sentia muita falta das coisas, porque estava concentrada em sua sobrevivência. “Toda a força e vontade da gente se volta para isso: sobreviver.” Quando chegou a hora de voltar ao trabalho, ela contou que entrou na TV (RBS TV) e disse para ela mesma: agora vou fechar meus olhos e vou pensar que eu nunca saí daqui. Em seguida, já entrou no ritmo e começou a fazer reportagens e viajar novamente, e tudo não porque sentiam pena dela, mas pelo fato de confiarem no seu trabalho. “Tive a sorte de ter tido a doença num período em que já tinha uma boa maturidade profissional, além de credibilidade da minha chefia da RBS TV e da Globo.” Sua volta também se deu em função de sua história profissional.

“Caso eu tivesse que ir embora, não seria um problema, pois nessas alturas, não se tem mais medo de nada. O que importava é que eu tinha sobrevivido.” A profissional ficou sem trabalhar praticamente um ano. Hoje, Rosane tem 55 anos, completados em janeiro. Ela segue como repórter da RBS TV e do Núcleo da Globo viajando e fazendo matérias. Para este 2015, está em sua agenda um programa para a Globo, dentro do Brasil, sobre especiarias, e outro em algum país da América do Sul, com tema ainda surpresa. Em 2014, teve a honra de ter sido vencedora do Troféu Imprensa, como melhor repórter mulher do Brasil.

Alimentação – A jornalista já havia lido o livro chamado “anticâncer”, do psiquiatra francês David Servan Schreiber, que teve a doença e tinha um prognóstico de seis meses de vida, vivendo, porém, por mais de 20 anos. Para escrever a publicação, o autor investigou tudo que existia no mundo sobre câncer: os diversos tipos, como é a colonização dessas células no corpo, as comidas que podem provocar a doença, os hormônios, a roupa lavada a seco, o teflon da panela, sendo tudo comprovado cientificamente. “Além dessa leitura que já tinha feito, quando fiquei doente procurei uma nutricionista no Núcleo da Mama para me ajudar ainda mais nas orientações em relação à alimentação a partir de então.”

Ela afirmou que na medida do possível alimenta-se com comida orgânica, evita comer frango pelo fato de ter muito hormônio, e quando come é galinha caipira. Ingere ovos também caipira, e verduras, frutas e legumes só em feira ecológica. Sua alimentação também é quase sem gordura, e ela ainda evita farinha, massa branca, açúcar, ou seja, tudo que nutre tumor ela tenta banir, mas nem sempre consegue.

Receio – “Existe sim o receio que a doença volte. De vez em quando bate aquela coisa…” A cada três meses Rosane faz exame da mama, e a cada seis, outras investigações para ver o restante do organismo. “Aí sempre bate aquele medinho. Quando se sente uma dor diferente, já se desconfia, e o medo existe, sim.”

Palestras e incentivo – Hoje, a jornalista viaja pelo Rio Grande do Sul ministrando palestras em universidades, hospitais, associações de mulheres, prefeituras e outros locais, sobre a questão do câncer, da superação, de como foi sua vida neste período, o que ela sentiu. “Eu tento, a cada dia, ser um pouquinho melhor. A minha missão é essa.” Rosane diz que trabalha no que gosta e nas horas que pode divide o que aprende da vida com quem está precisando ouvir. “Assim, me disponho a ministrar essas palestras, sempre gratuitamente. Não falo só para as mulheres com câncer, mas, também, para suas famílias, porque quando isso acontece a família toda fica doente.”

A primeira coisa que ela fala em suas palestras é que quem tem câncer sempre pensa que vai morrer, e que descobriu com a doença que é muito difícil morrer. “Eu já quase morri quatro vezes. A primeira eu era bebê e tive quase morte súbita no berço e deu tudo certo porque minha avó me fez respiração boca a boca; outra vez me acidentei de moto e quebrei tornozelo, braço e tive fraturas múltiplas e estou viva; depois eu tive câncer, e após a doença, acabei adquirindo ainda um problema cardíaco, inclusive tenho um stend. Ou seja, eu tive quatro episódios em que eu poderia ter morrido. Por isso, eu sempre começo falando que não é fácil morrer!”

Ela ressalta que faz de conta que é um gato, que tem sete vidas! “Então, tenho mais três vidas para aproveitar!” Além disso, a jornalista explica como é a questão da superação. “Durante todo tratamento, incluindo a parte ruim dele, eu nunca recebi isso como um castigo ou como se fosse um sofrimento muito grande. Ao contrário, eu recebi como se fosse uma bênção para mim, como se eu tivesse tomando e recebendo minha cura.”

Ela destacou que sempre pensava que aquilo ia passar e que ia ficar bem novamente. “Por isso, digo para as pessoas que quando se tem uma doença grave ou se tem de passar por uma situação difícil na vida, se têm duas alternativas: ou se entregar ou enfrentar. E no meu caso, resolvi enfrentar!”

Mensagem – A mensagem que Rosane deixa é de um australiano, Peter Singer, o qual admira muito. Ele diz que se a pessoa tirar um pouco do que tem e der para quem tem menos e isso não fizer falta a ela, a vida de quem está oferecendo algo é que vai melhorar. “Assim, vamos melhorando a nossa vida. E eu acredito nisso, na solidariedade. Para mim é isso, a saída do mundo é nos ajudarmos!”, finaliza Rosane com a expressão feliz e de muita esperança e alegria.

 

De onde vêm teus gatos que são teus xodós?

Os meus quatro gatos são de rua. Um veio de Passo Fundo; outro de Canela; um terceiro daqui de Porto Alegre mesmo, que descobriu nos fundos de minha casa; e o quarto, que era bem pequeno, minha filha juntou num cemitério, também em Porto Alegre. São três machos e uma fêmea que atendem por Dindim, Pedrinho, Lebra e Mima. Acho que os animais têm muita doçura e, agora, já está cientificamente comprovado que eles também têm seu sentimento refinado como o ser humano. Ou seja, não só nós seres humanos é que sentimos saudades, tristeza ou abandono, eles também. Os animais têm por nós um amor incondicional e acho que temos que retribuir isso. Como eles podem menos, nós temos que fazer com que eles consigam passar por esse planeta como a gente está passando.

Eu gosto de todos os animais, mas o gato para mim é mais fácil pelo fato de eu viajar muito a trabalho. O gato é um animal que pode ficar cerca de dois ou três dias sozinho em casa. Deixo ração e água, e se não estiverem doentes ou precisando de medicação, podem ficar sozinhos e tranquilos. Já o cachorro, precisa andar, correr, interagir mais do que o gato. Por isso, não vou confinar um cachorro num apartamento. Além disso, ele precisa muito de seu dono. O gato não, é mais contido, inclusive ele te dá carinho quando quer, sendo um ser mais autossuficiente. Mas, confesso que se eu pudesse eu teria cachorro, cavalo, vaca, galinha, ovelha, enfim, todos os animais, porque eu adoro!

Com essa paixão que você tem pelos animais, chegou a pensar algum dia em fazer veterinária e lidar com os bichos?

Não, nunca. Eu tenho esse lado que eu procuro ajudar os bichos, e me envolvo muito com a questão da proteção, com as ONGS, com os protetores individualmente.

Pausa para o café! Até no detalhe da xícara, a paixão de Rosane pelos animais!

Tua intimidade com a natureza vem de infância também, assim como a paixão pelos animais?

Vem sim, até estava lendo um livro que trata de como exercitar a criatividade, e tem uma frase que diz “roube, mas roube como um artista”. Então, tudo que é bom e bonito que me chega às mãos, eu tento guardar. Aí, quando vou fazer uma reportagem, sei que minha cabeça vai estar carregada dessas coisas que busquei e aprendi. Procuro me rodear de coisas de que gosto. Quando vou para algum lugar fazer matéria, tento passar para as pessoas não só aquilo que a câmera está mostrando, mas o que eu senti, o que meu coração sentiu quando olhou para aquilo. Faço isso para ver se consigo passar a grandiosidade daquele momento.

Posso passar 100 vezes no mesmo lugar, mas vou olhar 100 vezes de maneira diferente. Acho que esse exercício os jornalistas em geral têm de fazer. Temos que ter sempre um olhar diferente, pois sempre teremos Natal, Ano-Novo, Finados… Por isso, tem de se buscar algo diferente do que já foi feito. Coloco-me sempre no lugar de quem vai assistir. Graças a Deus, o Globo Repórter que fiz sobre os cânions no RS teve uma audiência incrível, abriu a temporada deste ano, e é um local de uma beleza rústica natural, lá não tem mais nada a não ser isso. Inclusive, já iniciei meu novo projeto (risos). Saber nadar. Nunca tinha aprendido a nadar e agora quero saber. Isso, porque quando eu fizer Globo Repórter ou alguma outra reportagem e tiver algo legal para mostrar, quero mostrar dentro d’água, mas, para isso, tenho que saber nadar!

 

Por Andréa da Silva Spalding

Fotos Tiago Trindade

Publicado na edição 24 da revista Gente que Faz

 



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