Os desafios do Brasil para se tornar uma potência em inovação
Publicado em 20 de novembro de 2018Desburocratizar processos e fomentar projetos são algumas das alternativas que o País tem para deixar o ostracismo e se colocar como um exportador de tecnologia. Contudo, cenário de retração, com descontinuidade de investimentos pode trazer retrocessos à área científica
Antes de começar a ler essa matéria, pare por um minuto e pense nos seus hábitos e a maneira pela qual você realizava as suas atividades há alguns anos. Se fizermos um comparativo do modo como esquentávamos a água para um simples chimarrão, por exemplo, e como fazemos agora, acharemos diferenças. Hoje, temos fogão, micro-ondas, chaleiras elétricas, entre tantas outras possibilidades. Antigamente, o forno a lenha era a salvação para tomar uma bebida quente. Essas constantes mudanças criam alternativas ágeis e simples em nossas rotinas e são resultado de uma palavra cujo significado é muito além do que um par de frases. Estamos falando de inovação.
Inovar é rejuvenescer um velho hábito, torná-lo moderno aos olhos do nosso tempo. Às vezes, podemos criar uma nova atividade e acrescentá-la à nossa rotina, como foi o caso com os smartphones, hoje praticamente insubstituíveis – e não por causa das ligações, mas pelas infinitas ferramentas oferecidas em alguns toques. O mais interessante é pensar que essas inovações saíram de estudos, de pesquisas, da leitura das necessidades das pessoas para otimizar o seu próprio tempo ou de outrem, a fim de sanar uma dificuldade ou transformar um processo em algo mais eficaz. Logo, a inovação é feita por nós, para nós. Todavia, não é tão fácil chegar a esses resultados.
No ranking mundial da inovação, Brasil tem uma posição apenas intermediária
Ainda estamos muito longe dos principais países que investem e sabem gerir seus profissionais e a tecnologia criada por eles. De acordo com o Índice Global de Inovação, apresentado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), o país ocupa o 64º lugar entre 126 economias listadas, em uma zona apenas intermediária. No entanto, conforme o estudo, houve ascensão de cinco posições neste ano em relação à 2017. A evolução se deve ao investimento em pesquisa e desenvolvimento, importações e exportações de alta tecnologia e pela qualidade das publicações científicas nacionais, vindas especialmente da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ainda no levantamento divulgado pela OMPI, o Brasil decepciona na formação de cientistas e engenheiros, no crédito aos investidores (seja na concessão ou na cobrança de juros), produtividade e criação de novos negócios. O Índice Global de Inovação leva em conta dados sobre as instituições de cada país, capital humano, pesquisa, infraestrutura, sofisticação do mercado e das empresas, além do desenvolvimento de produtos tecnológicos e criativos.
De acordo com Jean Zagonel, gaúcho que desenvolve projetos junto à Universidade de Linköping, na Suécia, para um caminho frutífero e contínuo da inovação são necessários que três pilares sustentem, cada qual a sua maneira, os pesquisadores e o fomento à pesquisa: universidade, empresa e governo. “Quando há um alinhamento entre os três, é mais fácil entender o que é necessário, qual a demanda, o quanto precisará ser investido. Hoje, no Brasil, não há muito disso”, argumenta. Há três anos morando no gelado país europeu, Jean conta que a universidade passou por um processo de internacionalização, ou seja, o envio de profissionais e estudantes suecos para faculdades parceiras e a chegada de estudantes de fora para se desenvolver no campus, a fim de colaborar com um intercâmbio não apenas cultural, mas também de conhecimento técnico e científico. “A Suécia é um país muito inovador e igualitário. Essas parcerias servem para atrair pessoas de fora e, a partir dos projetos, contribuir na formação e gerar mudanças que serão benéficas para todos”, explica. No índice da OMPI, os suecos ocupam a terceira posição, atrás apenas da Suíça e dos Países Baixos.
Para Flávia Fiorin, executiva do Tecnopuc, um dos principais parques tecnológicos e científicos do Rio Grande do Sul, criado junto à PUCRS, a qualidade dos projetos apresentados por aqui não se difere em relação aos países melhores ranqueados. O que falta, segundo Flávia, é a continuidade das ideias e a percepção de que podem continuar a gerar frutos ou, enfim, desabrocharem. “O Brasil tem iniciativas fantásticas, mas nos falta o volume, maior quantidade de iniciativas para quem sabe nos equipararmos a esses países. O investimento por vezes é pontual, as ações nem sempre tem continuidade e isso dificulta o retorno. As pesquisas em longo prazo são aquelas que geralmente trazem o impacto e o resultado esperado”, analisa.
Evolução e investimento: caminhos paralelos para o avanço
Não há dúvidas que um dos principais desafios do Brasil, em relação ao seu progresso na área de inovação, é a capacidade de manter seus melhores profissionais por aqui. Uma série de fatores contribui para que os nossos “gênios” deixem o país prematuramente. Um dos principais é o investimento público feito para pesquisas nas universidades. O orçamento previsto pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para este ano é de R$ 1,4 bilhão, aproximadamente 1/3 do valor investido no ano passado. A situação deve se agravar para 2019, uma vez que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma das principais entidades financiadoras de pesquisas no Brasil, foi informada sobre um novo corte de verbas do governo federal. Com o valor projetado, as atuais 200 mil bolsas só poderiam ser mantidas até agosto e, para continuarem até o final do próximo ano, precisariam de uma injeção de cerca de R$ 400 milhões. A Capes financia estudos de vacinas, energia renovável, agricultura, entre outros. “A universidade tem um papel estratégico para fomentar a inovação. Temos a oportunidade de trabalhar com a ideia em formação, a estratégia, o desdobramento e o desenvolvimento do conhecimento, além de como colocar no mercado”, explica Flávia Fiorin.
O outro ponto que dificulta o trabalho dos profissionais em território brasileiro é a burocracia. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) tem aproximadamente 230 mil pedidos de patente aguardando registro por parte dos órgãos competentes. No entanto, o nível de processamento dos pedidos chega a apenas 10% do volume total, gerando uma enorme espera e desmotivando empresas e pessoas que buscam resguardar seus direitos intelectuais sobre a criação. “O Brasil tem muito potencial (para a inovação), mas esbarra em demasiada burocracia. Os professores também sofrem com isso”, opina Jean Zagonel. A espera média por uma autorização de patente no Brasil é de 10 anos.
E para quem vem de fora? É o caso da Stihl, umas das maiores empresas alemãs no ramo de máquinas agrícolas. Localizada em São Leopoldo, no Vale do Sinos, a Stihl revolucionou a lida do campo com o implemento de diversas ferramentas capazes de aumentar a produção, com o cuidado de preservar o meio ambiente e manter o solo com suas características. O ingresso da tecnologia na agricultura ajudou a reduzir as perdas e gerar mais lucratividade aos produtores, acostumados inicialmente com o trabalho braçal e com as imprevisibilidades, em especial com o tempo. “É um desafio constante aperfeiçoar a alta qualidade dos nossos produtos e estar sempre à frente no mercado. Este é um amplo percurso de gestão. Expandimos a área de pesquisa e desenvolvimento, com a inauguração neste ano de um novo centro em nossa planta fabril – necessidade que foi identificada para a modernização e aumento da capacidade de desenvolver e testar produtos e de inovações”, explica Arno Tomasini, Vice-Presidente de Operações da Stihl.
Na visão de Tomasini, umas das dificuldades encontradas por empresas de fora, cuja tecnologia muitas vezes é superior àquela encontrada por concorrentes locais, é romper a barreira de aceitação do novo e compreender a necessidade da modernização dos processos e da busca pela eficiência, um dos ideais da inovação. “A dificuldade do setor industrial brasileiro em abraçar novas tecnologias, além de debruçar-se no objetivo científico de desenvolver estas inovações, são um problema. Só assim se eleva a competitividade na área”, analisa. A empresa alemã fará um investimento de R$ 500 milhões para expansão e modernização da fábrica em São Leopoldo. O valor servirá para automação e robotização dos processos. “Esse cenário já caminha para um futuro mais tecnológico, em direção aos preceitos da Indústria 4.0”, explica.
O Rio Grande do Sul e sua parcela de contribuição para o país
Em um país como o Brasil, com particularidades regionais em quesitos socioeconômicos, culturais e políticos – além da grande extensão territorial – atingir um padrão de desenvolvimento igualitário é extremamente complicado. Como há diferença sobretudo de concentração de receita entre os estados, é natural que estados com maior capacidade financeira apresentem um índice de procura mais elevado por parte das startups e polos de inovação, haja visto a concentração de empresas e da possibilidade de escoar o resultado da pesquisa para o restante do Brasil e para o exterior. O estado de São Paulo ocupa a primeira posição no ranking de inovação criado pelo Centro de Lideranças Públicas. O estudo leva em conta diversos aspectos, como pesquisa e desenvolvimento, patentes e produção acadêmica. O Rio Grande do Sul está em segundo lugar no ranking, apenas atrás dos paulistas, impulsionado principalmente pelo bom resultado em produção acadêmica. Neste ano, três universidades gaúchas criaram a Aliança para Inovação de Porto Alegre. Os reitores da PUCRS, UFRGS e Unisinos assinaram uma parceria com o objetivo de desenvolver ações com potencial para transformar a cidade em uma referência na área de inovação. “Há bastante tempo as universidades trabalham em conjunto para o desenvolvimento da sociedade. Queremos unir ações, criar uma pauta única de debate para que Porto Alegre seja um polo de inovação, sobretudo a partir da educação. A nossa capital tem todas as competências para se tornar uma cidade inovadora”, resume Flávia Fiorin, executiva do Tecnopuc.
Na visão de Arno Tomasini, VP de operações do Grupo Stihl, uma das melhores formas para fomentar o surgimento de novos polos de inovação parte da modificação do modelo de educação proposto, tanto no ensino público quanto no privado. Segundo Tomasini, o contato da criança com a tecnologia, com experimentos e com a pesquisa desde cedo tende a criar no futuro profissionais mais interessados no assunto. “É preciso ter atenção com todo o processo de educação do Estado, tendo como objetivo a criação de uma cultura voltada para o desenvolvimento tecnológico e sustentável das pessoas, pois elas ocuparão as vagas disponíveis para mão de obra especializada e serão as responsáveis por esta transformação”, argumenta.
Jean Zagonel observa que um dos empecilhos para atração de investimentos na América do Sul é a falta de confiança dos investidores em colocar seu dinheiro ou suas ideias por aqui, fruto de instabilidade política nos países, de taxas de juros elevadas, planos apenas com início e sem continuidade e que geram dúvida quanto ao retorno. “Há uma desconfiança geral, mesmo no Brasil, que é o maior país da América Latina. Isso atrapalha quem está fora e quer se instalar no país. Por isso, desburocratizar os processos são um passo importante para atrair mais empresas. Isso serve para o Rio Grande do Sul também”, avalia Zagonel.
Por João Carlos Dienstmann
Publicado na edição 40 da revista Gente que Faz