O tempo não para, nem para Antonio Villeroy

Compositor gaúcho mais gravado depois de Lupicinio Rodrigues, ele agora espana a poeira de Porto Alegre com o projeto Noites Especiais, no bar Sgt. Pepper’s, em que promove shows tête-a-téte com grandes nomes da MPB – amigos seus conquistados em 35 anos dedicados à música

“A minha vida é feita de ciclos. Não consigo viver sempre da mesma maneira”, resume Antonio Villeroy, cantor e compositor que viveu por dois períodos no Rio de Janeiro e se tornou o gaúcho mais gravado depois do clássico Lupicinio Rodrigues. Depois de três anos de volta a Porto Alegre, Totonho, como é chamado pelos gaúchos desde o começo da carreira, nos anos 1980, sacode a poeira da cena local com a realização do projeto Noites Especiais, no bar Sgt. Pepper’s, localizado no bairro Moinhos de Vento. Lá o público tem a oportunidade de curtir a música e a personalidade de nomes como João Bosco, Ed Motta, Jards Macalé e Luiz Melodia de muito perto.

A paquera com o Sgt. Pepper’s foi virando caso sério a partir da realização de shows próprios, depois a produção de um show de Jesse Harris, outro de Gastão Villeroy, seu irmão, e duas temporadas com os amigos Bebeto Alves, Gelson Oliveira e Nelson Coelho de Castro, com o show “Juntos”. Até que Antonio Villeroy resolveu propor à italiana Chiara Civello, em turnê no Brasil, que fizesse um show por lá. “Eu estava de férias em Santa Catarina e inventei de postar isso no Facebook. Imediatamente houve muita procura, de pessoas de várias regiões brasileiras. O show lotou e boa parte do público veio de fora do Estado. Foi então que percebi o potencial de fazer um projeto de shows mensais com artistas que o público gostaria de ver bem de perto, em shows intimistas”, conta. As atrações são artistas brasileiros, que já têm longa história construída na MPB, mas que nunca se apresentaram em Porto Alegre neste formato, um tête à tête com o público. “Optei primeiro por falar com meus amigos, pessoas com quem estabeleci uma relação de confiança e amizade nesses anos de música. Então eu estou agendando quem compreende a proposta, que é vir com uma equipe reduzida e sem cenário, para poder viabilizar a produção.” O interessante é que o projeto está sendo executado sem patrocínio e nenhuma espécie de incentivo governamental. Quem viabiliza é próprio público.

 

Essa alma empreendedora de Antonio Villeroy vem de longe. Morou pela primeira vez no Rio de Janeiro de 1987 a 1990, um período difícil em que o mercado da música estava todo voltado para o rock e as performances teatrais. Totonho fazia música brasileira com influências do jazz, cheia de acordes e ritmos quebrados que não passavam no crivo das gravadoras nem dos programadores de casas de shows. “Aproveitei esse período para estudar e ganhava a vida dando aulas de harmonia e fazendo trilhas para espetáculos de teatro. Eventualmente fazia um show aqui no sul, ou em Minas, que estava mais aberta para aquele tipo de música”, relembra. Nos anos 1990, voltou a fixar residência em Porto Alegre, mas passou mais da metade do tempo rodando a Europa, os Estados Unidos, a Argentina e o Uruguai, fazendo shows e músicas para filmes. Em uma dessas turnês europeias, em 1995, junto com o amigo François Mas, ele criou um festival musical em Sanary-Sur-Mer, na França, para o qual levou vários artistas brasileiros. O evento foi realizado por 10 anos e ficou marcado como um dos mais importantes do verão europeu. “Faço isso por vontade própria. É algo que está dentro de mim desde sempre, essa vontade de ver as coisas acontecerem”, explica.

No ano 2.000, Antonio Villeroy virou compositor da moda com suas criações para a cantora Ana Carolina e para gente como Gal Costa, Maria Bethânia, Ivan Lins, Maria Gadú, Mart’nália e Seu Jorge, entre outros. Voltou a morar no Rio e por lá ficou nos 13 anos seguintes. “Minha casa se transformou num ponto de encontro, seguidamente eu fazia saraus que eram frequentados por muitos artistas brasileiros e também do exterior, que estavam de passagem pela cidade. Certa vez, chegaram lá os atores Bill Pulman (“Independence Day”), Irène Jacob (“A Dupla Vida de Veronic”;  “A Fraternidade é Vermelha”) e Fisher Stevens (“Lost”), que participavam do Rio Cine Festival. Milton Nascimento e Caetano Veloso foram algumas vezes. Ana Carolina e Maria Gadú se conheceram lá. Os saraus se tornaram uma referência na cidade. Conheci minha mulher, Pamela Bitencourt, na casa de Elba Ramalho, numa noite em que Elba me homenageou por tê-la inspirado a fazer reuniões musicais na sua casa.” Até que Pamela engravidou. “Viemos para Porto Alegre para a Luísa nascer e íamos ficar apenas mais uns três meses. Eis que já faz três anos. Na verdade, me sinto melhor aqui para criar a minha filha, perto das famílias e dos costumes com os quais também me eduquei, com o frio, o chimarrão e a prosa em volta do fogo.” Em Porto Alegre, ele também está mais perto de amigos como os também cantores e compositores Bebeto Alves, Gelson Oliveira e Nelson Coelho de Castro. “Sim, somos, antes de tudo, grandes amigos. E nos admiramos mutuamente. Cada um tem sua energia, sua maneira especial de conceber as coisas, de ver a música e as artes e isso que torna nosso convívio tão rico. Eles são caras muito genuínos, que seguem o próprio coração e que têm procedimentos estéticos muito próprios, todos com forte personalidade. São artistas e pessoas que amo profundamente e com quem tenho extrema intimidade. Nos visitamos na medida em que nossas agendas nos permitem, talvez menos do que gostaríamos, mas são encontros sempre muito intensos e que deixam impressões muito fortes para nós e para as pessoas que nos acompanham através das canções e das ideias que partilhamos.”

 

E nada como a internet e o barateamento das passagens aéreas – então, as distâncias foram superadas e ele segue percorrendo o Brasil. “O Rio me aproximou mais do samba e de uma subjetividade mais ampla, menos regional, quanto às temáticas das canções. Acho que me tornei mais universal. Mas também credito isso às minhas andanças pelo mundo. Tudo soma.” Seu ofício de compositor inclui viajar também pelo universo de outros intérpretes. “Sempre procurei uma interseção entre meu universo, meus anseios e os do artista para quem estava compondo. E acho que cheguei a uma maestria nessa arte. As pessoas têm muito mais em comum do que imaginam e é isso que faz uma canção se tornar tão popular”, crê. Foram, até agora, quase 300 gravações de músicas de Antonio Villeroy por outras vozes. “Eu gosto de ver como o artista vai interpretar aquele tema, mas nem sempre fiquei satisfeito com as interpretações. Contudo, não me incomodo com isso. Cada artista tem sua abordagem da música, assim como tem sua maneira de levar a vida. O mundo é complexo e isso é positivo.” No ano passado, ele compôs uma música pensando na cantora francesa ZAZ e a apresentou quando fez a abertura do show dela no Auditório Oi Araújo Vianna, em Porto Alegre. “ZAZ adorou a canção. Portanto, compor pensando no outro é uma chave que estou sempre ligando”, ensina. “Minha paixão musical mais recente ainda é ela, que descobri há uns seis anos.” Canções como ‘Garganta’, ‘Rosas’ e ‘2 Bicudos’, que fez para Ana Carolina, ele nunca havia pensado em gravar ou cantar em shows. De tanto o público insistir, contudo, acabou registrando ‘Garganta’ no DVD ‘Sinal dos Tempos’, gravado ao vivo com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro. Hoje a inclui como bis de alguns shows.

Ah! Em 2010, Totonho criou o selo PIC Music, tendo lançado os discos de Jesse Harris, Márcio Faraco, Gelson Oliveira e Marisa Rotenberg. E parou por aí. “Um selo dá muito trabalho, o mercado fonográfico de vendas físicas não compensa mais e eu, particularmente, não acho sedutor trabalhar com o mercado digital.” Prefere terceirizar suas produções e não se aventura a cuidar pessoalmente dos trabalhos de outros artistas nesse formato. “Exige um departamento jurídico, uma verificação constante e muitas batalhas, pois as grandes corporações são cheias de mutretas para não pagar os direitos autorais. Atualmente há um grande enfrentamento nesse sentido, dos produtores fonográficos e artistas com Google, Youtube, Spotify e outras empresas que trabalham com streaming. Há muito a ser regulamentado e, se eu fosse me ocupar disso como selo, na defesa de outros artistas, não faria outra coisa.”

“Samboleria”, seu mais recente disco, foi um trabalho financiado pelos fãs, através de um crowdfunding. Quando o finalizou, recebeu uma proposta da gravadora Universal, que não se concretizou. Resolveu oferecer o disco à Som Livre, onde foi muito bem recebido. “Quem votou contra foram os vendedores que não viam como comercializar aquele produto nas Lojas Americanas, que é o maior cliente deles atualmente. Por ironia do destino, o diretor da Sony, Bruno Batista, me procurou depois de ver uma postagem minha no Facebook. E dois meses depois o disco estava nas prateleiras das lojas Americanas. Foi um tapa de luvas na visão limitada de quem vende discos no Brasil”, comemora.

A arte de Totonho Villeroy escorre pelas veias e vem de berço, mais precisamente de quando tinha uns dois, três anos e contraiu uma forte pneumonia. Gil Villeroy, seu pai, era compositor também. “Ele me influenciou muito. Ele sentava-se ao lado da minha cama para tocar violão e cantar. Aquilo tinha um forte efeito terapêutico, me passava uma energia muito boa e eu decidi que também deveria aprender um instrumento para tocar para meus filhos. Além disso, ele também tocava piano e tinha algumas canções de autoria própria.” Uma delas, “João Carreteiro”, foi gravada por Paixão Cortes e virou clássico do cancioneiro gauchesco. Heloiza Villeroy, sua mãe, também gostava muito de música, embora não tocasse nenhum instrumento. “Mas se ouvia muita música na minha casa. Isso tudo foi uma grande inspiração para mim e meus irmãos, Gastão, que também seguiu carreira musical, e Carlos Eduardo, que tem um grande talento artístico, mas optou pela carreira de advogado.”

No meio de todo esse estado de coisas e criações, Antonio Villeroy afirma que está sempre procurando ouvir o que vive no fundo de seu ser. “Apesar de fazer música popular, de ser um compositor de canções que, para muitos, é uma arte mais ligeira, olho sempre para dentro de mim, para sentir o que está acontecendo, que notícias tenho de mim mesmo, o que vem lá, o que me angustia, o que estou pensando para o mundo.” E o que ele vê, garante, é que está sempre querendo harmonizar, criar perspectivas positivas para a humanidade. “Atualmente, procuro me conectar com cientistas que pensam o mundo mais conectado e responsável, pessoas que se sentem responsabilizadas por práticas sustentáveis em todos os sentidos, da produção de alimentos, da criação e uso de energias, das relações humanas. Os físicos Fritjof Capra e Fred Allan Wolf são muito inspiradores nesse sentido, assim como Stephen Hawking, por suas descobertas científicas e seu espírito inquieto e lutador.” Ah, sim: “Samboleria de Bolso”, seu show com o baterista Marquinhos Fê, segue em turnê. “Estou completando 35 anos dedicados à música e isso deve ser bem comemorado. Vou seguir com Marquinhos Fê, que é um dos maiores bateristas que conheço, e, no final do ano, juntam-se a nós outros músicos e convidados especiais de diversas partes do mundo para gravarmos um DVD ao Vivo. Em 2017, seguimos para Europa, EUA e Japão.” Antonio Villeroy não para.

Por Andrea Lopes

Fotos divulgação

Publicado na edição 30 da revista Gente que Faz



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