O câncer não é uma doença só
Publicado em 8 de janeiro de 2018
“O Câncer não é uma doença só. São muitas doenças diferentes com causas, evolução e prognósticos distintos”, afirma dr. Carlos Barrios, oncologista e diretor do Hospital do Câncer Mãe de Deus
Do ponto de vista social, o Câncer é a doença mais séria que acontece na população de pacientes acima dos 60 anos de idade. Alterações genéticas desenvolvidas por diferentes células e acumuladas ao longo da vida são responsáveis pela maior parte dos casos. E, apesar dos avanços nos tratamentos, o Câncer ainda representa uma incógnita apavorante para quem recebe o diagnóstico. Por ocasião da inauguração da nova estrutura de atendimento integral do Hospital do Câncer Mãe de Deus, em Porto Alegre, o Dr. Carlos Barrios, seu diretor, falou sobre aspectos gerais da doença, seu panorama na população nacional, o que é possível fazer para evita-la e como agir se o diagnóstico chegar. São afirmações e esclarecimentos básicos – e, por isso, fundamentais – para que possamos nos conscientizar para evitar a doença. E sabermos lidar com ela da melhor maneira possível se ela acometer, inclusive, alguém próximo.
Doutor, começando pelo começo: o que é o Câncer? Por que as pessoas acabam desenvolvendo essa doença?
Em princípio, câncer não é uma doença só. São muitas doenças diferentes com causas, evolução e prognósticos distintos. Na maior parte dos casos, acontece relacionada ao envelhecimento, sendo que, entre outros, a idade é o principal fator de risco. Do ponto de vista social, o Câncer é a doença mais séria que acontece na população de pacientes acima dos 60 anos de idade. Alterações genéticas que diferentes células desenvolvem e se acumulam ao longo da vida são responsáveis pela maior parte dos casos. As alterações genéticas acontecem por exposições que desenvolvemos a um número enorme de fatores como o cigarro, a radiação solar, e também são provocadas por hábitos, como o sedentarismo.
O que podemos fazer para pelo menos tentar evitar o Câncer?
Reconhecer o problema e tentar evitar ao máximo fatores de risco como tabagismo, sedentarismo, agentes tóxicos, alimentação inadequada e obesidade, entre outros. Existem, entretanto, tumores que acontecem como decorrência de predisposição genética, que é uma tendência de desenvolver a doença que depende de algo que herdamos dos nosso pais. Por isto, existem famílias em que a doença é mais comum do que em outras.
Quais os tipos de Câncer que mais afetam os brasileiros hoje? E os gaúchos?
O Câncer de Próstata e o Câncer de Mama são, de longe, os mais comuns no Brasil e no Rio Grande do Sul.
Na ocasião da inauguração da nova estrutura do Hospital do Câncer Mãe de Deus, o senhor comentou que o Câncer é uma epidemia…
A incidência está aumentando por causa do aumento na população e na expectativa de vida. Isso faz com que cada vez tenhamos mais pessoas com mais de 60 anos de idade, que é a faixa de idade em que a doença acontece. O volume de casos e a mortalidade relacionada à doença estão aumentando significativamente. É um problema que devemos reconhecer e atacar.
Dentro da sua experiência com seus pacientes, como o senhor vê as reações ao tratamento? É possível estabelecer um ideal de reação e atitude em relação ao enfrentamento do Câncer?
As reações relacionadas aos tratamentos dependem do tipo de doença, do tipo de tratamento e do paciente em si. Um paciente mais debilitado vai ter mais dificuldade com o tratamento. De uma forma geral, é importante destacar que cada vez mais estamos controlando os eventos adversos e as complicações do tratamento e fazendo com que a tolerância seja cada vez melhor. Os tratamentos são, em geral, ambulatórias e tolerados com facilidade. A maior parte dos pacientes continuam com uma rotina de vida praticamente normal.
Em linhas gerais, e desconsiderando as variações entre os tipos e estágios, qual o tratamento ideal para o Câncer?
O tratamento ideal seria aquele que curasse a maior parte dos casos. Nesse sentido, isso é possível quando o diagnóstico é precoce. Se detectamos um tumor cedo o suficiente para ele ser operado, esse é principal ponto de partida para um melhor resultado.
O que há de mais moderno em relação ao tratamento do Câncer?
O reconhecimento de que existe complexidade e heterogeneidade em cada tumor e cada paciente. Isso leva ao conceito de medicina personalizada. Cada paciente merece um diagnóstico específico e um tratamento dirigido para o seu tumor e suas necessidades. Esses conceitos têm sido responsáveis pelos maiores avanços na área nos últimos anos.
Como o senhor avalia o tratamento do Câncer conjugado com terapias alternativas, como florais, reiki, homeopatias…
Não existem estudos que justifiquem uma resposta definitiva nesse sentido. Sabemos que uma percentagem importante de pacientes fazem outros tratamentos além dos recomendados tradicionalmente. Desde que não interfiram no tratamento convencional, não me oponho e até mesmo estimulo-os, pois acredito poderem ter um efeito psicológico positivo.
Como o senhor encara a decisão de pacientes que resolvem não fazer o tratamento para a doença?
São decisões individuais e muito raras. Não lembro da última vez em que um paciente informado sobre a sua real situação tomou essa decisão. Em alguns casos, pode ser até mesmo encarado como um suicídio, pois muitas vezes, mesmo que o prognóstico possa ser reservado, na realidade não passa disso, um prognóstico. Certamente não é uma certeza do que vai acontecer. Nesse sentido, abandonar uma perspectiva de um resultado, por pequena que seja, é algo que a maior parte das pessoas não faz.
Como o senhor avalia o tratamento integrado do Câncer? Ajuda psicológica, da família, dos amigos, faz toda a diferença?
É fundamental. As necessidades do paciente raramente se concentram na doença exclusivamente. As consequências de um diagnóstico de Câncer são muito amplas e devem ser reconhecidas e abordadas em conjunto. O bom resultado de um tratamento exige uma abordagem multiprofissional.
E a questão espiritual e de religiosidade?
A forma com que cada um de nós enfrenta o Câncer, ou qualquer problema, não muda. Cada um tem uma personalidade e uma forma de reagir quando enfrenta situações difíceis. Há pessoas que têm fé, acreditam em algo mais e usam essa capacidade, essa virtude, a seu favor no enfrentamento do Câncer ou de outras situações de dificuldade na vida. Há outros que não têm tanta espiritualidade e que enfrentam problemas de forma mais racional. Cada um tem sua receita. Ninguém muda de personalidade porque tem Câncer. Ao final, ter informação, saber o que poderá acontecer, ter acesso ao melhor diagnóstico e ao melhor tratamento, ter apoio para as necessidades decorrentes da doença, entre outras coisas, é o que é determinante no resultado final. Esse resultado final não é necessariamente a cura, mas o melhor resultado possível para aquela situação em particular.
Qual a sua orientação para quem se depara com um diagnóstico de Câncer?
Procure saber sobre o que está acontecendo. Procure um oncologista que consiga ser parceiro. Também seja parceiro no processo. O resultado vai depender muito dessa colaboração. A informação, saber o que se está enfrentando, é, para mim, o mais importante. Preconceito não é mais do que falta de informação.
Todo o tipo de Câncer terá cura em breve? Quais as perspectivas para isso?
Já curamos hoje a maior parte das situações. Ainda não todas. Na medida em que a população seja cada vez mais informada, vamos curar cada vez mais pessoas. Alguns tumores mais complicados e avançados também estão tendo resultados cada vez melhores, alguns com perspectivas muito realistas de cura, isso em situações que há até poucos anos não tinham solução. A evolução tecnológica que vivemos, e o impacto que ela tem no diagnóstico e no tratamento, permite que sejamos muito otimistas. Mas temos que fazer, cada um de nós, a nossa parte. Devemos reconhecer que a doença é importante e pode acometer qualquer um e que temos que nos preocupar com a doença antes que ela aconteça.
Publicado na edição 36 da revista Gente que Faz
Por Andrea Lopes|Fotos divulgação