Natália Dumcke Dallé, estudante e cidadã do mundo
Publicado em 9 de julho de 2018Ela sonhava estudar medicina na Inglaterra. Mas para chegar lá, precisaria de uma formação prévia no exterior. Determinada em seus objetivos, e contando com o apoio dos pais, aos 16 anos Natália Dumcke Dallé saiu de Lajeado (RS) para cursar o segundo e o terceiro ano do Ensino Médio na Suíça. Passados três anos, repletos de histórias e descobertas, compartilha aqui suas experiências até a entrada na University of British Columbia (UBC), no Canadá
Conhece aquele provérbio chinês que diz assim: “O melhor presente que podemos dar aos nossos filhos são raízes e asas”? Pois foi com esse propósito que, em 2015, o cirurgião dentista Eliseu Dallé e a médica psiquiatra Clarissa Dumcke apoiaram a decisão da filha mais velha, Natália Dumcke Dallé, de estudar no exterior.
Ela tinha uma meta: cursar medicina na Inglaterra. Para isso planejou sua trajetória: escolheu uma escola de Ensino Médio na Suíça que seguia o sistema britânico – o aluno cursa somente as disciplinas preparatórias para o curso que pretende seguir na graduação. Formada em uma instituição internacional, seria mais fácil entrar para a faculdade desejada.
“O mais interessante é que a Natália fez tudo sozinha: escolheu o colégio, mandou e-mail e marcou entrevista. Depois a escola nos contatou agendando a visita”, conta a mãe, que desde o início deu força para a decisão da filha. “Também saí de casa cedo para estudar. Com 14 anos fui para um colégio interno e foi muito importante, porque a gente conhece um mundo completamente diferente. Ainda mais em uma experiência internacional. Eu que ajudei ela a convencer o pai”, lembra Clarissa.
No início Dallé resistiu, mas aos poucos foi se sensibilizando com a ideia. Até porque tinha afinidade com a Suíça, onde já cumpriu inúmeros compromissos profissionais, ministrando palestras sobre as técnicas que desenvolveu na área de implantodontia.
“Logo que a Natália começou a pesquisar, interessou-se por um colégio na cidade de Zug, que Clarissa e eu já tínhamos visitado na companhia de uma paciente que mora lá. Passeando pela cidade, chamou minha atenção uma construção em meio a algumas árvores. E o marido dela nos contou que era um dos colégios internos mais conhecidos do país, o Instituto Montana. Achei bonito e fizemos uma foto. Depois, revendo essas fotos, ficamos surpresos com a coincidência”, lembra o pai.
As experiências com a escola da Suíça
Na viagem para comemorar os 15 anos de Natália, os Dallé foram à Suíça e visitaram outra escola, que então havia sido a escolhida: a Brillantmont Internacional School, em Lausanne, uma cidade com 150 mil habitantes, à beira do lago Léman. Com 150 estudantes, a instituição costuma receber todos os anos adolescentes de 35 nacionalidades. No colégio o ensino é em inglês, embora na cidade o idioma oficial seja o francês.
A certeza de que haviam dado o encaminhamento certo à filha foi aparecendo à medida que ela relatava suas atividades escolares. “Cada matéria tem uma viagem no final do ano. Uma das mais interessantes foi para a Islândia, pela disciplina de geografia. Mesmo não sendo aluna desta matéria, consegui ir junto com a turma. Visitamos vulcões, gêiseres e cascatas que se formam nas fendas. Em um dos locais, onde há uma falha geológica, caminhamos ao mesmo tempo em duas placas tectônicas”, vibra Natália.
Voluntariado no Peru e no Vietnã
Pela escola, em agosto de 2016 ela fez um trabalho voluntário de duas semanas em Cuzco, no Peru, na área da saúde. Foi por intermédio da ONG Projects Abroad. Ajudou enfermeiras e médicos pediatras em hospitais. Também foi para escolas da comunidade medir crianças e coletar amostras de sangue para o exame que verifica a presença de anemia.
Em abril de 2017 passou duas semanas no Vietnã, em uma atividade da Habitat For Humanity, organização internacional que leva pessoas para construírem casas pelo mundo. Com um grupo de colegas ela ergueu o lar de uma família que mora próximo de Hanoi: cavaram buraco, carregaram tijolos e fizeram cimento. “Viramos notícia no jornal desta pequena cidade. As pessoas nos paravam para fazer fotos e fomos recepcionados por um representante que é como se fosse prefeito da cidade”, descreve a estudante.
Também com a escola, foi para Haia, na Holanda, onde participou de uma simulação de uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) – programação organizada pela Thimun Foundation. “Era um evento só para estudantes, com mais de cem pessoas numa sala, cada um representando um país. Eu era Seicheles. Tu tens que assumir um personagem e fazer de conta que tu és delegado daquele país. São discutidos assuntos do mundo inteiro”, pontua Natália.
“Aconteceu tanta coisa interessante nesse colégio que eu comecei a pensar: que bom que ela foi. Valia a pena a saudade que estávamos sentindo”, consola-se Dallé.
Apesar de toda a garra e coragem para ir atrás do seu sonho, nas primeiras semanas longe de casa Natália admite que chorava no banheiro, escondida da colega de quarto. Pensou até em desistir. Bateu muita saudade da família na primeira vez que ficou doente. E nem era nada grave, apenas um resfriado. Foi aí que encontrou força no apoio dos pais, que não deixaram a filha desistir. Hoje ela se diverte contando de um dia em que achou que iria morrer.
“Passei mal no meio da noite, vomitei e tomei um remédio americano que é muito conhecido no Canadá. Acordei com a língua preta. Achei que eu estava morrendo. Depois fui pesquisar na internet e descobri que era uma reação ao comprimido. Só que eu já tinha tomado várias vezes e isso nunca tinha acontecido”, garante a menina.
Também durante os dois anos em que morou na Suíça, Natália teve a oportunidade de participar de uma experiência pré-universitária na Oxford Royale Academy, em Oxford, na Inglaterra. “Era tipo um acampamento de verão, mas com aulas. Visitei uma universidade e até fiz pontos em pessoas de plástico, como se já estivesse cursando medicina. Mas ali descobri que não queria ser médica e que não gostava tanto assim do país. Não senti como se fosse o meu lugar no mundo”, relata.
A vida no Canadá
Decepcionada após o “test drive”, ela começou a pesquisar sobre o Canadá e apaixonou-se pelo país. No ano passado se mudou para Vancouver e desde então frequenta a University of British Columbia (UBC). Também ampliou o horizonte para os cursos de graduação. “A minha mãe é psiquiatra, e eu sempre gostei de estudos relacionados ao cérebro. Também tinha interesse por psicologia. Mas percebi que eu queria algo mais científico, por isso escolhi o curso de Neurociência Comportamental. Quero ser cientista, seguir carreira acadêmica e trabalhar em uma universidade como professora”, planeja a lajeadense.
Mas nada impede que ela mude de ideia e opte por outro curso. Os quatro primeiros anos são básicos e cada aluno escolhe o conteúdo que quer estudar. Somente depois matricula-se nas disciplinas específicas. Neste primeiro ano como universitária, ela tem aulas durante quatro horas por dia. No entanto, são muitas horas de dedicação para os trabalhos acadêmicos.
Natália mora num quarto, em um alojamento de estudantes que fica dentro do campus. Por lá circulam 40 mil alunos de bacharelado e mais 20 mil de mestrado e doutorado. O campus é um bairro, com hospital, supermercados e restaurantes. “E tem pessoas que não têm nada a ver com a universidade e moram lá dentro, por que é um lugar muito calmo, com poucos carros, bom para quem tem crianças”, completa a estudante.
Nem é preciso perguntar o que ela está achando da experiência. Os olhos brilham enquanto conta cada detalhe do seu dia a dia. No início do ano, em uma programação especial, passou duas semanas só com estudantes internacionais. Foi durante essas aulas de confraternização que conheceu todos os amigos de agora – são dos Estados Unidos, Japão, Egito, África do Sul, Albânia e Equador.
“Como vêm de culturas muito diferentes, é claro que cada um tem um jeito de pensar. Mas em geral as pessoas são muito parecidas. Entre os estudantes, todos querem a mesma coisa: fazer amizade e se divertir. Então todos são muito respeitosos e cuidam o que falam para não serem ofensivos”, explica.
Nas horas de lazer, gosta de sair com a turma para esquiar. Como no Canadá a maioridade é aos 19 anos, só este ano ela começou a ir para as baladas. E conta que são bem divertidas as festas das fraternidades, muito parecidas com aquelas que ela conhecia pelos filmes.
Neste primeiro ano que estudou no Canadá, veio duas vezes visitar a família em Lajeado. Ficou 10 dias em dezembro, no período do Natal. E está agora na cidade, durante as férias de verão, que vão de maio a agosto.
Com tantas experiências bacanas que a Natália traz para compartilhar, a torcida da família é para que a irmã mais nova, Valentina, 15 anos, também “bata suas asas”.
Espia só o depoimento do pai, que há 3 anos não tinha recebido muito bem o pedido da primogênita, de estudar fora:
“A possibilidade de ter uma visão de mundo ampliada é um patrimônio que minhas filhas terão para sempre. Enquanto pai, evidentemente, há um período em que o coração aperta. Mas para elas é um aprendizado. O objetivo é deixá-las mais bem preparadas para que tenham liberdade de escolha. Quero que tenham condições de escolher a profissão, o lugar no mundo onde vão morar, os desafios que vão enfrentar. Assim as asas se abrem e podem voar muito. E queremos que elas voem alto.”
Texto de Josiane Weschenfelder Rotta
Publicado na edição 39 da revista Gente que Faz