GUILHERME PAZ surfa no empreendedorismo em Portugal
Publicado em 7 de dezembro de 2022
Até aonde o pedido de um filho leva um pai?
No caso do gaúcho Guilherme Ferreira Paz, 39 anos, até Portugal, mais especificamente à cidade de Costa da Caparica, próximo à capital Lisboa. Mas, antes de atravessar continentes, há muita história na bagagem de Paz.
Formado em Direito e circulando pelo meio jurídico, o projeto de vida era o mesmo de tantos: fazer carreira como advogado, quem sabe tentar algum concurso para promotor, juiz ou para a Polícia. Foi nessa época que o primogênito Eduardo, então com 5 anos, fez um pedido que desconcertou Paz e o levou às suas próprias lembranças. “O Eduardo me pediu que eu fizesse uma prancha, porque queria aprender a surfar. Desde a infância, eu sempre fui apaixonado pelo surfe. Na adolescência, o mais perto do esporte que eu chegava era lendo as matérias da revista Fluir e usando algumas roupas de marcas de surfe – compradas nas Lojas Trópico, ícone deste lifestyle na época. Não tinha prancha nem carro para ir de Porto Alegre até a praia, e foi assim até o começo da vida adulta”, revela.
Então, como negar um pedido desses? Junto com um amigo, em 2015, a primeira prancha para o filho ganhou forma. A partir daí, Paz não parou mais e tomou uma decisão que o fez sair da zona de conforto. Largou as roupas sociais, típicas de um advogado, para uma nova oportunidade e, mais do que isso, um novo estilo de vida. Em 2016, junto com o mesmo amigo e sócio, colocava no mercado a marca de pranchas Oric, lançada no Brasil, especialmente em Porto Alegre. A fábrica começou em uma casa simples, de madeira, na Zona Norte da cidade. Paz, até hoje, guarda registros e fotos do lugar para manter vivas na memória as lembranças de suas origens como empreendedor no mercado do surfe.
A aposta foi ousada, especialmente por se tratar de uma época em que o surfe não era nem mesmo aprovado como esporte olímpico – o que aconteceu em 2016, sendo que apenas em 2021 ele figurou pela primeira vez como modalidade nas Olimpíadas de Tóquio, quando, inclusive, o Brasil levou o ouro com Ítalo Ferreira. Por isso, entre as estratégias para a Oric se tornar conhecida, esteve a contratação de Paulo Zulu, que representa o lifestyle do surfe, e circula pelo meio artístico. Mas a cartada mais certeira, para Paz, foi “pousar” em Fernando de Noronha. “Eu fiz uma negociação para que todos os nativos usassem pranchas da Oric. Isso nos deu uma visibilidade muito grande e criei laços importantes. Ainda hoje tenho muitos amigos na ilha”.
E não foi apenas isso. Em 2017, mais um passo arrojado. Paz repaginou uma mansão da Zona Sul de Porto Alegre e a transformou no Castelo Oric. No andar inferior, funcionava a oficina de pranchas e, na parte superior, ela oferecia um espaço para quem curte a vibe do surfe, como ponto de encontro e de venda de produtos.
Pode parecer que tinha tudo para dar certo, mas não. Cinco anos depois, Paz classifica a empreitada como um fracasso por vários motivos. Como era um fabricante iniciante, hoje ele reconhece que não tinha as melhores pranchas do mercado. Na conta do revés, ele acrescenta o fato de não ser surfista. “O surfe sempre foi um mercado egocêntrico, de não aceitar muito bem o fato de tu teres uma marca de surfe, mas não ser uma surfista nato”. E, se existe a hora certa e o lugar certo para o negócio, definitivamente não era o caso da Oric em Porto Alegre. Os invernos longos no Sul e a distância do mar, não contaram a favor dos ventos da empresa.
Na crista da onda
Não é exagero dizer que a decepção levou Guilherme Ferreira Paz e o seu sonho de fabricar pranchas para o Velho Mundo. O cenário desfavorável para o negócio no Sul do Brasil, fez o empresário olhar para mais longe e sem romantismo ou falsas expectativas. “Eu cansei do Brasil. Há exceções, mas, via de regra, o mercado é muito amador”.
Já na lista de pontos favoráveis que fizeram a marca desembarcar em Portugal, em 2019, estão várias situações. A primeira delas é o fato de Paz enxergar Portugal como um grande mercado para o surfe. Também ajudam a língua, os tratados entre Brasil e Portugal e a possibilidade de permanência (hoje, ele tem visto português e busca a cidadania, já que a mãe é neta de portugueses). “Eu vim para Portugal com o propósito de internacionalizar a marca Oric e acabei comprando a parte do meu sócio brasileiro”, conta.
E não foi sozinho. Paz levou o seu staff do Brasil para Portugal a fim de concretizar o projeto. Em terras portuguesas, firmou sociedade com a fábrica The Factory Portugal, que produzia pranchas para outras marcas. Se o mar parecia calmo para o negócio deslanchar de vez, veio a turbulência. Havia uma pandemia no meio do caminho.
O período foi complicado. Paz voltou ao Brasil, enfrentou uma depressão e a dificuldade para poder ingressar novamente em Portugal. Nesse momento, também, o sócio português veio ao Brasil e foi feita a fusão da marca Oric com a Mormaii. “Hoje, o Paulo Zulu comprou a Oric. É uma satisfação ter recolocado a marca no mercado e ter conhecido figuras como o Morongo, dono da Mormaii”, relata. E as mudanças e parcerias não pararam por aí: no final de 2021, quando conseguiu retornar novamente a Portugal, ele comprou a parte da The Factory do sócio, e fundou uma nova fábrica, a Blue Room Surfindustry. Antes disso, ainda pela The Factory, o surfe lhe proporcionou mais uma oportunidade ímpar: participar de um talk show, comandado por Bruno Cabrerizo, na rede de televisão portuguesa SIC.
Um novo ciclo começava para o empreendedor, que, logo na partida da Blue Room, adotou uma estratégia: não teria marca própria e apenas fabricaria pranchas para outras marcas. E tudo pareceu conspirar a favor. Até mesmo a pandemia impulsionou a prática do surfe e aqueceu o mercado da venda de pranchas. O resultado? Hoje, a Blue Room fabrica pranchas para mais de 20 marcas de países como a Austrália, Espanha, Suíça, Alemanha, Brasil, Estados Unidos – especialmente Havaí e Califórnia -, além de Portugal.
É sobre conquistar a Europa
Um pavilhão de mais de 1 mil m², no distrito industrial da Costa da Caparica, abriga o maquinário industrial e a equipe de dez colaboradores – nove deles brasileiros – responsável por dar forma à produção que chega a 225 pranchas mensais. O número ainda é aquém da capacidade, mas Paz vê ótimas perspectivas para o futuro. A qualidade do produto – e Paz destaca que fazer prancha é um trabalho artesanal – já torna a Blue Room referência no mercado português, mas a meta é elevar a régua ainda mais. “Quero estar entre as três melhores empresas da Europa e entre as cinco do mundo. Não é fácil liderar com um negócio do outro lado do oceano, mas com força de vontade, postura ativa e uma excelente equipe, como a minha, as coisas fluem melhor, afinal, as pranchas não se produzem sozinhas. Por isso, sou muito grato aos meus colaboradores”, pontua.
O solo é fértil para a ambição. Paz destaca que Portugal é movido a turismo e, 70% dele, tem relação com o lifestyle que é o surfe. “Portugal é a Califórnia da Europa”, chancela. Além disso, as praias convidativas da costa portuguesa fazem a população local também ser fã do esporte. Diversas escolinhas ensinam o surfe para crianças, repassando para as novas gerações a paixão sobre ondas. Além disso, uma novidade inusitada: a Europa está sendo tomada por piscinas de ondas.
Mas, se o mar, literalmente, parece estar para peixe, que fique claro que nada é simples. Portugal pode ser a bola da vez, especialmente para os brasileiros que pensam numa vida melhor fora do país, porém Paz cita entraves, como a inflação e carga tributária altas (o IVA – Imposto sobre Valor Acrescentado, chega a 23%). A guerra entre Ucrânia e Rússia também tem provocado reflexos na economia e uma estagnação em diversos mercados. Por isso, ele aposta na receita que é acordar cedo, trabalhar muito, conhecer o mercado e focar no negócio. Mais do que isso é ter conhecimento prévio de empreendedorismo. Isso fica muito claro na rede social de Paz. Quem se dedicar a rolar o seu feed logo perceberá que ele defende que empreender exige “inspiração e transpiração”, muito diferente de apenas alimentar um sonho e esperar que, por se tratar de Portugal, as coisas aconteçam.
Se há muito suor envolvido para fazer o negócio crescer, na outra ponta está a satisfação, a qualidade de vida. A família – a esposa Giovana e os filhos Eduardo, 12 anos, e Leonardo, 7 anos – também está em Portugal, vivendo na bela e tranquila Oeiras. E sobra tempo para surfar? Muito pouco. E aí Paz faz um adendo: apesar de ser um amante do surfe, ele aprendeu a pegar onda somente aos 35 anos, e tem um surfe intermediário pela prática tardia. Nada disso importa comparado à realização de se equilibrar sobre uma prancha. “É a energia do mar que te toma. Tu vives um momento de liberdade, de conexão com a natureza. Surfe é muito mais do que um esporte, é um estilo de vida”, resume.
Guilherme Ferreira Paz, certamente, tem esse estilo de vida correndo nas veias. Tanto é que ele está com um livro escrito, pronto para ser lançado em 2023, quando completará 40 anos. “Swell – Surfando por um sonho”, contará a sua trajetória, ou seja, alguém que acreditou no surfe quando ele era incipiente no Brasil, diferentemente de hoje, quando os brasileiros dominam o esporte em nível mundial. Voltando ao título livro, “swell” é o nome que se dá à formação de uma onda que começa a virar. “Aí é hora de estar bem posicionado, ter visão para pegar a melhor onda e esperar o momento certo. Eu correlaciono o surfe com o empreendedorismo”, antecipa. Com essa experiência, ele também quer, a partir do próximo ano, usar o seu know-how na arte de empreender para começar a dar palestras para brasileiros que pretendem ter sucesso em Portugal.
Até lá, sem chance de errar, ele assegura que vive o seu melhor momento com a sua Blue Room, feliz onde está e fazendo o que ama. Não foram poucas pessoas que acharam que era loucura largar o Direito e viver de fabricar prancha. Ele provou a estes mais céticos a verdade instituída pelo célebre poeta português Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Em Portugal, ainda mais.
Conteúdo publicado na edição 55 da revista Gente que Faz