Marcia Barbosa, a cientista gaúcha reconhecida como uma das mulheres mais poderosas do Brasil

Eleita para a Academia Mundial de Ciências, reconhecida pela ONU Mulheres como uma das cientistas que impactaram o mundo,  distinguida como  uma das 20 mais poderosas brasileiras pela Forbes, a pesquisadora ganha notoriedade no cenário acadêmico mundial com o estudo sobre as anomalias da água

Professora de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e cientista, Márcia Barbosa ganhou merecida notoriedade no cenário brasileiro e mundial com o seu trabalho que evidencia as moléculas de água e seu reaproveitamento. Recentemente, ela foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para integrar o ONU Mulheres. Esse braço foi criado em 2010 para unir, fortalecer e ampliar os esforços mundiais em defesa dos direitos humanos das mulheres.

Além disso, Márcia foi distinguida como uma das sete cientistas que moldam o mundo, escolhida dentre uma série de pesquisadores que impactaram a ciência mundial com seus trabalhos realizados. Ela também foi eleita uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil, de acordo com ranking feito pela Forbes, revista conceituada em economia e negócios. Focada em desenvolver uma pesquisa sobre o líquido e suas variações, ela já publicou dezenas de artigos sobre o tema e foi premiada dentro e fora do País. Márcia usa seu prestígio para trazer mais mulheres ao cenário acadêmico e em defesa de um bem tão precioso para a nossa sobrevivência, a água. Ela conta como foi o seu caminho até o sucesso e de que forma pretende ajudar a tornar o estudo do qual participa em algo efetivo.

Em busca dos segredos da água

Márcia Barbosa se dedica há, pelo menos, 20 anos no estudo sobre variações do líquido, após ter terminado a graduação em Física. O tema lhe chamou a atenção e passou a ser objeto de estudo. Foi a partir das “anomalias” do líquido mais precioso ao ser humano que a cientista ganhou terreno e se destacou no cenário nacional e internacional. O comportamento das moléculas de hidrogênio e oxigênio que compõem a água em seus diferentes estados trouxe à luz algumas descobertas interessantes e que podem resolver problemas graves da sociedade, como a falta d’água e a possível solução do problema com a dessalinização.

Um estudo da ONU revelou que uma em cada três pessoas no mundo não tem acesso à agua potável – cerca de 2,2 bilhões de seres humanos. Esse número se agrava à medida em que o recurso hídrico se torna escasso, seja pela falta de chuvas regulares ou pelo esgotamento de fontes potáveis. Além disso, a ausência de saneamento básico polui rios e lagos, o que também inviabiliza o acesso. Outro dado que chama a atenção é sobre a cobertura de água na Terra. Estima-se que 97,5% do líquido seja salinizado, compondo os oceanos que banham os continentes.

Ainda, conforme a Associação Internacional de Dessalinização (IDA), o tratamento para retirada do sal já é utilizado em 150 países, como Austrália, Estados Unidos, Espanha e Japão. Um dos motivos para a dessalinização avançar a passos de tartaruga é o alto custo das plantas industriais capazes de realizar o procedimento. Estima-se que o custo para tornar a água do mar potável seja de US$ 1,50 por metro cúbico (cerca de R$ 6,90), enquanto o processo de retirada de água doce custa menos do que a metade disso – em torno de R$ 3,00, de acordo com a região do Brasil. Um dos países que mais investe nessa forma de obtenção de água é Israel. O país é o líder mundial em reutilização de água. O governo local investe fortemente em dessalinização. Anualmente, são mais de US$ 3,5 bilhões (R$ 16,1 bilhões) em 39 unidades em funcionamento. No Brasil, o estado do Ceará deve colocar em funcionamento, em 2022, uma planta capaz de retirar água do mar e fazer o processo de dessalinização para atender 720 mil pessoas na Região Metropolitana de Fortaleza.

Por esse motivo, o estudo feito por Márcia é tão importante pois, além de ajudar na redução de custos para esse processo, ajuda na criação de alternativas para captação de águas em regiões com pouco abastecimento, como, por exemplo, o sertão brasileiro. “É muito caro você construir um local exclusivo para essa atividade. No laboratório, junto com meus colegas de pesquisa, trabalhamos em cenários computacionais, com simulações, sem custo e com resultados interessantes”, afirma. Um deles é colocar as moléculas de água em nanotubos, praticamente invisíveis a olho nu e perceber como se comportam, juntamente com o sal. “O que vimos é que a água passa por esse tubo, mas o sal não. Foi um teste que fizemos no computador com esse resultado, que pode ajudar a resolver a questão de dessalinização da água”, argumenta.

Outro ponto que intrigou a pesquisadora foi a respeito dos estados da água. O fato do gelo, ou seja, a água em seu estado sólido boiar na própria composição em sua condição líquida é considerada por ela uma anomalia. “O normal seria o gelo afundar e as partículas se unirem, mas acontece justamente o contrário. A água tem 72 anomalias, e eu há 20 anos as estudo para entender como ela ajudou o ser humano a evoluir”, explica. Ela escreveu um artigo chamado “Aprendendo com as esquisitices da água” onde fala sobre essas questões e mostra evidências acerca desses comportamentos estranhos.

Trajetória com poucas parceiras

Carioca de nascimento, Márcia veio para o Rio Grande do Sul ainda pequena. O pai, eletricista, despertava seu interesse com demonstrações do seu trabalho, o que lhe fizera seguir já no colégio para a área de exatas. Com toda a formação feita em escolas públicas, ela relembra que a família lhe dizia para apostar no estudo para modificar um cenário do qual não parecia ser possível fugir. “Nós tínhamos uma origem humilde, mas tive a sorte de estudar em boas escolas públicas. Sempre fui incentivada a focar nos estudos, pois era a melhor maneira para mudar de vida”, afirma. O Colégio Estadual Marechal Rondon, em Canoas, foi um dos locais cujo a aluna aprendeu algumas noções de Física. O professor da matéria, Milton Zaro, trazia problemas para ela resolver, desde a elaboração de um forno elétrico até um dispositivo de efeito fotoelétrico.

Concluído o colégio, chegou a vez de encarar o vestibular. A escolha pelo curso de Física causou surpresa inclusive aos pais, que aguardavam a entrada dela em cursos como Medicina ou Engenharia. O primeiro dia de aula no curso escolhido, no entanto, impactou.  “Entrei na sala de aula e eram 80 alunos. Destes, apenas eu e mais três mulheres. ‘O que estou fazendo aqui?’, foi a primeira coisa que pensei”, relembra.

Naquela época, a chegada de mulheres em ambientes acadêmicos soava como a exceção. A regra era tê-las em casa, cuidando dos filhos e das lidas domésticas, enquanto os homens tinham a obrigação de trabalhar e fornecer o sustento à família. Por isso, Márcia explica que a dificuldade para ela foi ainda maior. “Eu sentia na pele que precisava fazer o dobro ou triplo para ser notada e conseguir estar onde meus colegas tinham chegado. Tinha que me provar capaz a todo o momento. Era uma luta diária para mostrar minha inteligência”, explica.

A realidade da pesquisa no Brasil

Após uma série de movimentos no Brasil e junto aos órgãos internacionais voltados à pesquisa para notar a presença feminina, Márcia avalia que o cenário se modificou positivamente. Ela mesma ganhou posições de destaque, ao ser indicada para a Academia Mundial de Ciências, em dezembro do ano passado, e ter sido a primeira mulher latina a ser condecorada com a Medalha Nicholson da Sociedade Americana de Física, em 2009, por ter feito um trabalho sobre a questão de gênero na Física. De currículo invejável, ela fez seu pós-doutorado em Boston, nos Estados Unidos e recebeu o prêmio L’Oréal, da Unesco, em 2013, pelo seu estudo sobre a água. “Foi uma conquista e tanto, pois vi que não existe só ciência no Hemisfério Norte”, ironiza, ao lembrar da predileção pela premiação de cientistas europeus e norte-americanos. Márcia também é diretora da Academia Brasileira de Ciências.

Contudo, a professora se vê preocupada com os movimentos recentes do governo federal para diminuir o pagamento de bolsas de pesquisa trazem preocupação para a professora e pesquisadora. Segundo ela, essa política poderá gerar novos desequilíbrios no ecossistema da pós-graduação. “É um desejo ideológico ter menos estudos, e isso deve impactar as mulheres. Tivemos ganhos importantes, com a concessão de licença-maternidade durante o período da bolsa e não sabemos se isso será mantido”, comenta. Ela teme que algumas áreas, como as de humanas, sofram com a precarização dos trabalhos por conta da falta de estímulo do governo em aprofundar temas dessa seara e, naturalmente, pelo afastamento de pesquisadores do tema, visto que a redução de vagas implicaria em uma fuga para outros centros, como a Europa e os Estados Unidos.

Para ela, há um estigma muito forte sobre a capacidade feminina de lidar com a pressão e a liderança, algo que pode ser combatido com o estudo, com a valorização acadêmica das profissionais e, sobretudo, da mudança de uma cultura enraizada. “Há cursos que recebem carimbos de inteligência, como se fossem superiores, o que não é verdade. Pude chegar em um estágio da minha carreira que é ótimo, mas com muito sacrifício e com obstáculos que não deveriam ter aparecido”, relata a pesquisadora.

 

Fotos: Divulgação, Tom Dinarte e Beto Hacker



Tags relacionadas

Comente



Compartilhe!







POSTS RECENTES

Image

Um cenário de sonhos para um casamento inesquecível em Barcelona

Com 105  anos de tradição, esta histórica propriedade propõe conforto, privacidade e serviços personalizados para  esses momentos especiais em um endereço que inspira paixão e celebração, em uma das cidades mais românticas da Europa A capital da Catalunha, na Espanha, é um dos destinos mais românticos da Europa. Nesse  cenário, o Majestic Hotel & Spa Barcelona acolhe […]

LEIA MAIS
Image

Em Porto Alegre, encontro com os hoteis mais incríveis do mundo

Com encontros B2B no Brasil e na Argentina, o evento reuniu em mais um ano agentes de viagens, hotéis Leading e imprensa especializada A The Leading Hotels of the World realizou novamente este ano seu South America Showcase Series, neste ano com a presença de mais de 30 hotéis de luxo de 10 países. Gerentes e diretores divulgaram […]

LEIA MAIS
Image

Cerejeiras em Flor, no Japão. Quando ir?

Visitar o Japão durante a época de florescimento das cerejeiras, conhecida como “Sakura”, é uma experiência que captura não apenas a beleza estonteante da natureza, mas também a essência profunda da cultura japonesa. A melhor época para testemunhar este espetáculo varia de acordo com a região, mas geralmente ocorre entre o final de março e […]

LEIA MAIS