Luxo é a união da ética com a estética
Publicado em 18 de setembro de 2019Dinheiro ou status? Nenhum dos dois. Para o diretor criativo da Osklen, Oskar Metsavaht, ter em mãos um objeto desejado por muitos é estar comprometido com questões além das coisas materiais
O século XXI é marcado pela defesa de várias bandeiras ao redor do mundo, mas uma em especial se sobressai: a natureza. Afinal de contas, é ela que permite a nós, seres humanos, continuarmos vivendo e desfrutando das belezas oferecidas por ela. Maltratamos demais nossos biomas – e pagamos o preço disso com a fúria de tempestades, furacões e outras tormentas. Não é uma relação fácil. A cada dia, agredimos mais a água que bebemos, o ar que respiramos e isso tem um reflexo, imediato ou não, no futuro do planeta.
No meio disso, há o debate sobre sustentabilidade versus lucro. É possível obter resultado e, ao mesmo tempo, evitar a proliferação de substâncias danosas ao meio ambiente? Como ser ecologicamente responsável e ter sucesso? É um quebra-cabeça que as indústrias, principalmente, precisaram montar nos últimos anos. A nova geração, conhecida como millennials, veio ao mundo com o objetivo claro de defende-lo e dar voz às marcas cujo compromisso é com o mundo. Não é fácil agradá-los, afinal de contas, seu código de conduta é bastante rígido e pouco tolerante, mas o resultado prático aos poucos aparece. Diversos segmentos precisaram mudar seu posicionamento frente a pautas polêmicas, sob o pretexto de continuar a ter consumidores dessa faixa etária ou então segmentar seu público.
O gaúcho Oskar Metsavaht decidiu romper paradigmas do mundo da moda. Ao abdicar da carreira de médico no fim dos anos 80, ele deixou Caxias do Sul para embarcar no que chama de “expedição científica” pelo Brasil. Mudou-se para o Rio de Janeiro e decidiu montar uma loja em Búzios de acordo com o que achava correto, sobretudo na questão ambiental. Ele mesmo a decorou, pintou e traçou um conceito muito claro para seu novo negócio: inovar e ser responsável ecologicamente. Além disso, Oskar tinha uma outra preocupação acerca da força de trabalho. Queria dar luz aos pequenos artesãos, longe dos holofotes das grandes estrelas da moda e leva-los consigo para criar, pesquisar e traçar planos para sua loja, a Osklen.
As expedições às quais Oskar menciona se deram por todo o Brasil. De Norte a Sul, ele tratou de conhecer as culturas, os materiais oferecidos pela natureza em cada área e passou a desenvolver pesquisas para tentar entender como poderia transformar uma raiz ou uma fibra em algo que lhe ajudasse na confecção das roupas e calçados. Levou essas demandas para pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, bem como analistas de negócios da faculdade, para viabilizar seu plano de ação. Afinal, seria possível tirar da natureza apenas o necessário para produzir vestimentas? Sim, foi possível. Inicialmente, a Osklen produzia cerca de 1000 peças. Hoje, esse número chega a 135 mil por ano. “Temos o equilíbrio prefeito entre a tecnologia e o artesanato. Quando deixei a carreira de médico, pensei em fazer parte dessa geração de pessoas que estão ligadas à sustentabilidade. Quero participar do legado deixado para as outras gerações”, conta o fundador e diretor criativo da marca.
Em 1998, a Osklen lançou o primeiro projeto, um algodão orgânico cuja qualidade era idêntica ao original. Foi aí o começo desse viés sustentável da marca, para a criação de roupas que se alinhassem ao pensamento ambientalmente correto, sem perder a concepção de moda. Oskar criou então o Instituto-e, uma organização sem fins lucrativos voltada ao desenvolvimento de políticas voltadas à inclusão social e ao desenvolvimento humano. Já foram criados 27 tipos de materiais biodegradáveis, com redução do consumo de água e luz, tratamento dos resíduos lançados aos rios e lagos e o principal: compromisso com a qualidade e com a diversidade, tanto na equipe de profissionais, que necessariamente precisam apostar nesse modelo como também na concepção das peças para os desfiles. Essa tecnologia propiciou a criação de 850 mil peças de roupas nesse modelo. “Posso dizer que a Osklen é uma plataforma de comunicação. Não compactuamos com o exibicionismo, o luxo pelo luxo, queremos aliar a estética com a ética. Esse é o nosso propósito”, explica.
Inovação e criatividade para buscar resultado
O líder da Osklen esteve no mês de maio em Porto Alegre para uma palestra. Convidado para falar com os participantes da 7ª edição da Feira Brasileira do Varejo, ele explanou para uma plateia atenta ao seu discurso o projeto ASAP. A sigla em inglês pode ser traduzida como “o quanto antes possível”, mas foi adaptada para “o mais sustentável possível”. Voltado à empreendedores, Oskar Metsavaht apresentou suas criações para a moda, como o couro de pirarucu, solados de calçados feitos com material reciclável, malhas feitas com fibra de garrafas PET, dentre outras. Mostrou também dados relacionados ao uso desse material e o impacto deles na natureza, com a retirada de lixo que, muitas vezes, pode levar séculos até se decompor.
Para ele, o conceito de luxo aplicado atualmente é voltado ao status, ao caro, difícil de ser alcançado pelo dinheiro e desejado por todos. Para Oskar, outros elementos poderiam justificar o significado da palavra. “Quando você se dedica a um produto, com sua capacidade intelectual, técnica, ele fica sofisticado. Esse é o espírito do luxo e não o conceito monetário. Precisamos ressignificar a palavra para entendermos. Luxo é aliar dedicação, ética e estética no produto”, sentencia.
O diretor criativo e presidente da empresa também fez uma crítica, ao salientar que as práticas adotadas no Brasil são menos reconhecidas em relação a outras partes do mundo. “Nossa natureza é exuberante. Temos materiais aqui que não existem em nenhuma parte do mundo. Menosprezamos nossas riquezas”, afirma. A aposta em inovação e criatividade para tirar de onde menos se imagina uma matéria prima exige um investimento alto, refutado em parte da indústria e do varejo devido a facilidade em se apostar no simples e rápido. O conceito de fast fashion, atribuído ao mercado cujo intuito é a renovação constante das roupas comercializadas, na opinião de Oskar, também precisa se reinventar e mostrar compromisso com políticas ambientais.
Ele também traçou um paralelo sobre hábitos de consumo. Por vezes, a população se preocupa em evitar a compra de determinados itens que não estão alinhados com o conceito ético dessa pessoa. Porém, em outros segmentos – e, nesse caso, a moda – tal premissa é deixada de lado, seja por desconhecimento, seja pela diferença de preço entre uma roupa produzida de forma ecologicamente correta e outra sem esse cuidado. “Somos antiquados no nosso consumo. Não mudamos hábitos, seguimos apostando nas mesmas empresas. O consumidor dá pouca voz a quem tem compromissos reais. Nossas peças de roupas podem não ser as mais baratas, mas toda a inovação tem seu custo”, aponta.
Ao relembrar sua vida, que começou na Serra Gaúcha e hoje o tornou um cidadão do mundo, Oskar refletiu sobre o cenário da moda. Para ele, o design precisa provocar, inovar e mostrar ao público que pode se reinventar em todos os aspectos. Seu intuito não era tornar a Osklen uma líder mundial em vendas, mas sim elevá-la a um patamar em que pudesse mostrar as realizações. “Chegamos hoje onde estamos porque acreditamos no que fizemos. Convicção é importante, e mais ainda quando se faz o certo”.
Por João Carlos Dienstmann
Fotos Divulgação|Sindilojas
Conteúdo publicado na edição 44 da revista Gente que Faz