Liane Neves eterniza personagens e histórias
Publicado em 8 de janeiro de 2018A sombra luminosa de Quintana e a fotógrafa gaúcha da Caras vira nossa personagem
“O fotógrafo tem a mesma função do poeta: eternizar o momento que passa”, disse certa vez Mario Quintana (1906-1994) a Liane Neves, numa espécie de poema particularmente criado para ela. A fotógrafa teve a oportunidade de conhecer o poeta na véspera de seus 80 anos e, a partir daí, passou a registrar seu dia a dia, sua intimidade e seus clássicos passeios pelo centro de Porto Alegre – não à toa, Mario a chamava de “minha sombra luminosa”. Quintana transformou-se, de forma natural e nada programada, na primeira personalidade brasileira devidamente escaneada pelas de Liane Neves – tarefa na qual virou expert à frente de centenas de pautas da revista CARAS. Junto com seus trabalhos em fotojornalismo, captar imagens e cenas de personagens conhecidos no País e no Exterior transformam Liane Neves em uma das fotógrafas mais aclamadas do Estado – e das mais queridas também. Aqui ela vira personagem e conta um pouco mais sobre sua história para os leitores de Gente que Faz.
Liane, como a fotografia surgiu na tua vida? Já era próxima de alguém que trabalhava com isso, como foi?
Meu pai, Newton Neves da Silva, era médico, mas gostava muito de fotografar. Vivia fazendo retratos e instantâneos da família, dos amigos. Foi ele quem me deu minha primeira máquina, uma Olympus! Mas eu sempre pensei na fotografia como hobby. Quando fui fazer a faculdade de jornalismo e tive contato com essa arte foi que a paixão foi despertada. E não a larguei mais.
E a família dava força!
Sim, imagina, meu pai montou um laboratório de fotografia na lavanderia da nossa casa, ali na Rua Dinarte Ribeiro, em Porto Alegre! Fui fazer curso de fotografia em Londres, na volta fiz uma exposição na primeira galeria especializada em fotos em Porto Alegre, isso em 1980. O engraçado é que meu pai era médico microbiologista e sempre levava a gente para o laboratório. Eu ficava lá, olhando pelas lentes. Que era o que ele fazia muito, também, e o que acabei fazendo com a fotografia. Sempre dizia para ele que não havia tido filhos médicos, mas herdei a relação com as lentes. Ele foi para o micro, eu para o macro!
As pessoas hoje te conhecem mais como fotógrafa de CARAS, de celebridades, da área mais social e de cultura, arte. Mas tu também fizeste muito fotojornalismo, para revistas como Veja, Exame…
Sim, ainda faço, isso há mais de 20 anos. Para Veja, fotografei muito aqui no Sul, indo para Uruguai e Argentina. Uma matéria que me marcou muito foi a capa de Veja sobre a migração dos gaúchos pelo Brasil. Na ocasião, percorremos mais de 10 estados em 30 dias. Conheci e fotografei um outro lado do nosso País.
Liane, entrando no mundo das celebridades… As pessoas têm a impressão de que trabalhar em CARAS é puro luxo, glamour, festas. Mas há certas peculiaridades nesse universo. Como é preciso agir para ser um bom profissional dessa área?
Para ser um profissional que trabalha com celebridades, pessoas de destaque, personalidades, enfim, é preciso ter sensibilidade e delicadeza. E, acima de tudo, muita paciência. Você precisa chegar aos poucos e ter sensibilidade para extrair o melhor das pessoas. Na CARAS, especificamente, o trabalho sempre é uma escola, um grande aprendizado. Meu editor Sergio Zalis sempre me disse que para trabalhar na revista não basta ser um excelente fotógrafo, é preciso saber se relacionar com as pessoas. Relacionamento é tudo.
Das centenas de personalidades que tu fotograste, quais as que mais te marcaram?
As histórias são muitas. Gisele Bündchen eu fotografei em diferentes fases da carreira, primeiro bem lá no começo, em Horizontina. Com ela ocorreu uma passagem angustiante, engraçada e mágica. Estava escalada para fotografá-la em Horizontina, era uma capa para CARAS. Chovia horrores. Fiquei apavorada, pois precisava fazer fotos maravilhosas para oito páginas de revista. Caía água e Marcos Rosa, meu editor na época, me tranquilizou: “Liane, Annie Leibovitz só gosta de fotografar em dias nublados…”… Resolvi comprar um guarda-chuva bem colorido, com muito verde e vermelho. Na hora em que as fotos iam começar, parou de chover! De lá para cá estabeleci uma relação única de confiança com a família toda. Em outra ocasião, eles foram viajar para a África, eles iriam entregar as fotos com exclusividade para a revista. Mas Dona Vânia, a mãe de Gisele, disse que só entregaria a pen drive com as fotos na minha mão. Peguei um motorista e fui até Santa Maria, onde ela estava, para pegar a pen drive. Mas é assim, em mais de um desfile do qual a Gisele participou eu fiquei na linha de frente dos fotógrafos e ela sempre me dá um sorriso, um oi.
Algum personagem que você conseguiu “dobrar”?
Eu nunca tinha fotografado Ana Paula Arósio e ela nunca tinha aceitado fazer uma matéria de capa para a revista. Certa vez ela esteve no Kurotel, em Gramado, e a revista me mandou para fazer uma matéria. Em um primeiro momento, Ana Paula estava bem na dela, receosa, disse que ia fazer uma foto só e estava resolvido. Eu tinha levado uma mala cheia de roupas, pensando em fazer ‘aquela’ produção. Aí, papo vai, papo vem, comecei a fotografar, conversamos, ela foi se soltando e criando confiança em mim. Saí de lá com uma baita matéria e com uma relação ótima com a estrela.
Teve alguém que tu ficaste anos atrás para fazer uma matéria e que, lá pelas tantas, finalmente conseguiu?
Thiago Lacerda, a capa mais recente que fiz. Ele e a mulher, a atriz Vanessa Lóes, nunca tinham topado fazer uma capa. Há anos a revista tentava e nada. Eu havia fotografado o Thiago pela primeira vez lá por 1998, quando ele estava no ar na minissérie “Hilda Furacão”. Depois o encontrei quando gravava “A Casa das Sete Mulheres”, quando tive a oportunidade de presenteá-lo com meu livro sobre Mario Quintana, que ele admira. Quando ele veio ao Sul filmar “O Tempo e o Vento”, em Bagé, consegui fazer a matéria com ele e com a Vanessa. A revista não acreditava. Fiz as fotos do casal, eles me deram um abraço e o Thiago falou “Liane, a CARAS tá tentado fazer esta matéria há mais de 10 anos e eu resolvi fazê-la contigo, porque você sempre foi legal comigo, e você fotografou Mario Quintana, então estou tendo esta honra”. Uma das histórias com personagens mais bacanas que eu guardo no coração.
E agora, o que você anda aprontando?
Nesses tempos de mudança e multitarefas, estou aprendendo a me reinventar. Sigo fotografando muito, claro. Mas também estou me dedicando a projetos mais variados e fora da caixa, como livros, revistas, produtos on-line mais personalizados, que incluem tanto a fotografia quanto essa questão do relacionamento que te falei. Também estou preparando uma edição atualizada do “Guia da Lica”, a ser lançada novamente pela Virtus Comunicação. Quero seguir criando, sempre!
Por Andrea Lopes
Publicada na edição 36 da revista Gente que Faz