Kledir e Kleiton. Kleiton e Kledir. A história de quatro décadas dedicadas à arte
Publicado em 30 de junho de 2016
O protagonismo independe da ordem dos nomes. Foi juntos que ambos aprenderam a crescer. E separados eles crescem da mesma forma. Kledir, em um breve e agradável bate-papo, fala sobre o tempo. E viaja nele. Lembra os indos e vindos dos Almondegas, cita a relação de outra dupla – a Gre-Nal – com a clássica música “Deu pra ti”, e fala dos planos para o futuro e de suas mais recentes realizações.
A dupla cresceu e ficou conhecida em uma época de explosão cultural. Culturas que se superavam, e muito, em função do Regime Militar. Dos tempos da UFGRS até os dias de hoje, como você avalia a trajetória de Kleiton & Kledir e os ambientes culturais e criativos nessas distintas épocas?
Nos anos 70, havia uma luta contra as arbitrariedades da ditadura militar e ao mesmo tempo uma busca de afirmação pessoal e artística. Somos de uma geração que sonhou muito e queria mudar o mundo. Não deu pra fazer tudo, mas ajudamos a empurrar a coisa pra frente. Hoje eu tenho esperança nos jovens. Eles ainda vão fazer um mundo muito melhor do que esse que a gente conseguiu construir.
Nos anos 80, houve a explosão da carreira de K&K. Era o começo das rádios FMs e das gravações em CD e todos queriam música de boa qualidade. Alcançamos um enorme sucesso popular em rádios, TVs e shows por todo Brasil.
Na década seguinte, ficamos um tempo separados, e quando voltamos, o show business estava passando por uma revolução, com o fim das grandes gravadoras e a chegada da internet. Rapidamente nos reinventamos e caímos na estrada, a real e a virtual. Era o começo da música digital e entre outras coisas, entrou no ar nosso site, um dos primeiros sites de artistas no Brasil.
Já no novo século, entramos renovados e produzindo muito: discos conceituais, DVDs ao vivo, música para crianças. Hoje, temos uma carreira consolidada e uma enorme legião de admiradores por todo país. Eu olho pra trás e vejo mais de 20 álbuns lançados, disco de ouro, shows por EUA, Europa e América Latina. Gravações em Los Angeles, Nova Iorque, Lisboa, Paris, Miami e Buenos Aires. E mais, inúmeros sucessos na voz de grandes intérpretes, como Mercedes Sosa, Simone, Claudia Leitte, Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Nara Leão, MPB4, Ivan Lins, Xuxa, Fafá de Belém, Fábio Jr e muitos outros.
Tenho muito orgulho de tudo o que temos realizado e costumo brincar dizendo que isso é só o começo.
Como é possível manter por tanto tempo um público fiel e diverso dentro do cenário atual em que artistas surgem e desaparecem rapidamente?
Acho que o segredo é gostar de fazer o que se faz. E criar sempre pensando no resultado artístico e não se aquilo vai ter sucesso comercial. É assim que estamos produzindo e gravando discos há 40 anos. Isso mesmo, até eu me assusto de vez em quando. São 40 anos desde o lançamento do primeiro disco do Almôndegas. E vejo com alegria que nossa obra, mesmo com a passagem do tempo, vai ficando por aí e sendo apreciada pelas novas gerações. É bom demais. É tudo o que se quer.
Uma pergunta clichê. Tens como contar a história da música “Deu pra ti”?
Kleiton e eu estávamos vivendo há um tempo no Rio de Janeiro e bateu uma enorme saudade de Porto Alegre. “Deu pra ti” é uma canção de exílio, um canto de saudade do sul, das pessoas, do nosso jeito gaúcho de ser e fazer as coisas.
Essa talvez seja a nossa música mais emblemática. “Deu pra ti” mostrou pra todo Brasil que havia um Rio Grande do Sul moderno, urbano, com um dialeto próprio e não apenas aquele estereótipo do gaúcho de bombacha andando a cavalo no campo.
O Kleiton, que é gremista, volta e meia tem que explicar porque a música só fala no Beira-Rio, estádio do Inter. Ele diz que a letra é colorada, pois foi feita por mim. Mas a música, digo a harmonia e a melodia, é totalmente gremista. Um detalhe sutil que só ele percebe.
A barreira para os músicos gaúchos no Brasil ainda é um problema?
Não existem mais barreiras, até porque o caminho agora é pela internet, um lugar de rotas infinitas. Você pode ir por qualquer lado, como quiser, do jeito que quiser. A questão é saber onde você quer chegar e ter conteúdo para entregar. Eu vejo com muita alegria artistas gaúchos de talento inventando uma nova maneira de chegar ao público com sucesso. Um bom exemplo é a banda ‘Apanhador Só’. E também nossos sobrinhos, Ian Ramil e Thiago Ramil.
Foi no final dos anos 80 que a dupla optou por uma separação. O que levou a esse rumo? E como foi a decisão de voltar?
Nós somos irmãos e estamos colados a vida inteira. Nunca havíamos feito nada separados. Foi preciso parar um pouco e viver outras experiências pra gente se dar conta de que juntos produzimos muito mais e melhor. É um negócio meio holístico: um mais um é sempre mais que dois.
Depois de tantos anos, como você entende a saudade que se tem dos Almôndegas?
Almôndegas virou um clássico. Até hoje continua sendo cultuado e estudado. Recentemente o músico e historiador Arthur de Faria defendeu uma tese de mestrado onde sustenta que a banda foi um marco, um divisor de águas na história da música popular do sul do Brasil. Eu fico muito contente com tudo isso. A gente nunca faz as coisas pensando em reconhecimento e homenagens, mas quando elas acontecem é muito gratificante.
Certa vez você escreveu que “nós, os bilhões de seres humanos que giramos pelo espaço a bordo deste planeta simpático, temos feito muita besteira, mas também temos produzido obras extraordinárias como a Muralha da China, o iPhone, a 9a Sinfonia e a Giselle Bündchen”. E o que a dupla produziu de mais extraordinário?
É o mesmo que perguntar pra uma mãe qual o seu filho preferido. Tenho muito orgulho da nossa obra como um todo, de tudo o que a gente tem realizado. A partir de Maria Fumaça há na nossa trajetória um processo de amadurecimento e de busca de excelência na arte de compor.
Talvez o que a gente tenha de mais extraordinário seja essa capacidade de se reinventar o tempo todo e produzir coisas cada vez mais relevantes, do ponto de vista artístico. Há pouco tempo, Adriana Calcanhotto comentou que o que admira em K&K é que nós não temos preguiça. Achei o máximo!
Um tempo atrás, vocês lançaram um CD/DVD para crianças e agora você lançou o livro “Viagem a Par ou Ímpar”. Que viagem é essa?
Kleiton e eu nunca havíamos feito música para crianças, uma tradição dos grandes autores da nossa música brasileira que vem desde Braguinha e passa por Vinícius e Chico Buarque. Para criar as canções, foi preciso ‘desenvelhecer’ um pouco até chegarmos àquele estado de pureza onde a fantasia se confunde com a realidade. Foi uma ótima oportunidade de resgatar um monte de coisas boas que a gente vai perdendo pelo caminho.
Lançamos então o CD “Par ou Ímpar”, com músicas inspiradas nesse universo infantil cheio de fantasia e imaginação. Entusiasmados com o reconhecimento unânime de público e de crítica, nos unimos ao grupo THOLL e à atriz Fabiana Karla, para realizar um espetáculo visualmente exuberante, que as crianças adoram e os adultos também. É um espetáculo musical, teatral e circense, que virou DVD, especial de televisão e ganhou o troféu de “Melhor Disco Infantil” no Prêmio da Música Brasileira.
Inspirado no roteiro do espetáculo, escrevi o livro “Viagem a Par ou Ímpar”, uma aventura de dois guris que pegam uma Maria Fumaça rumo ao desconhecido e acabam encontrando um lugar lúdico, encantado, cheio de surpresas e diversão. O livro traz ilustrações do talentoso Victor Tavares e é um lançamento da editora Objetiva.
No ano passado, vocês lançaram “Com todas as letras”, um álbum conceitual reunindo Kleiton & Kledir e escritores gaúchos. Como surgiu esse projeto e qual é a sensação de realizar algo tão original?
Nosso objetivo principal era promover a aproximação da literatura com a música popular. Trazer essa riqueza do mundo das letras para o nosso universo das canções. São escritores consagrados, autores de prosa de ficção que nunca haviam feito uma canção, trazendo um novo olhar, uma outra perspectiva poética e temática. O que me deixa contente é que não foi apenas uma boa ideia, o resultado é surpreendente.
Tudo começou nos anos 70, em Porto Alegre. Foi ali que a gente começou a conversar com Caio Fernando Abreu sobre a ideia de fazer uma canção. “Lixo e Purpurina” levou 20 anos pra ser feita, e mais 20 pra ser gravada. Foi o ponto de partida deste projeto, e serviu de inspiração para todas as novas parcerias que surgiram. São canções inéditas, criadas com grandes nomes da literatura gaúcha contemporânea, como Luis Fernando Verissimo, Martha Medeiros, Fabrício Carpinejar, Leticia Wierzchowski, Daniel Galera, Paulo Scott, Claudia Tajes, Alcy Cheuiche e Lourenço Cazarré. Foi um privilégio poder trabalhar com esses autores que tanto admiramos e com o professor e escritor Luís Augusto Fischer, que foi o curador do projeto.
Em maio, a Type Directors Club vai apresentar em Nova Iorque uma exposição das artes caligráficas criadas por artistas de várias partes do mundo, inspiradas nas letras das canções.
Para encerrar a conversa. O futuro reserva o que para Kleiton e Kledir? E só para o Kledir?
Nossa prioridade para 2016 é a gravação de “Com todas as letras – ao vivo” para produzir um DVD e um especial de televisão. E também a continuidade do projeto “Letra & Música” em universidades por todo Brasil. “Letra & Música” é uma oficina de criação de música popular que idealizamos para dividir com os mais jovens aquilo que a vida nos ensinou: a arte de fazer canções. Tem um vídeo bem bacana no YouTube que mostra nossa recente passagem por universidades do sul, como a Ufrgs, a Puc, a Unisinos e a Ulbra.
Além disso, vamos ter shows pelo Brasil, uma turnê pelos EUA e também seguiremos na estrada com o espetáculo infantil “Par ou Ímpar”, com o grupo Tholl. Ou seja, o ano promete.
Em relação à minha atividade literária, no momento estou trabalhando na ideia de um livro novo e ando ocupado com o lançamento do livro infantil “Viagem a Par ou Ímpar”. Tenho feito palestras e bate-papos com crianças em escolas e feiras de livros, o que me dá muita satisfação.
É possível acompanhar a agenda de shows, novidades e lançamentos através do site http://www.kleitonekledir.com.br ou então seguir a página oficial de K&K no Facebook https://www.facebook.com/kleitonekledir?fref=ts. Quem não conhece o álbum, pode acessar o trabalho todo por meio do site http://www.kleitonekledir.com.br/comtodasasletras/
Por Rodrigo Martini | Fotos divulgação
Publicado na edição 28 da revista Gente que Faz