Entrevista com Scortegana, da Luiz Argenta Vinhos Finos
Publicado em 10 de julho de 2017In vino veritas
Parte I
À medida que o inverno se aproxima, sai a cerveja da beira da praia e volta o vinho à mesa de jantar. Muda o clima, mudam as roupas, a culinária e a bebida. Nesse quesito o Rio Grande do Sul segue líder inconteste da produção de vinhos finos do Brasil e a cada ano, mesmo lutando contra os gigantes Chile e Argentina, mais e mais nossos vinhos e espumantes são reconhecidos. Isso se deve ao trabalho dos pioneiros, mas também às novas gerações de enólogos que trazem novidades muito além de nossas fronteiras. Foi assim que conversamos com Edegar Scortegana, com formação na Itália, que voltou para assumir o braço vinícola de um dos mais importantes grupos empresariais gaúchos, a Luiz Argenta Vinhos Finos, do grupo DiTrento. Em poucos anos essa união rendeu frutos e hoje os vinhos brancos e tintos, bem como os espumantes produzidos praticamente no centro de Flores da Cunha, são reconhecidos e desejados em todo Brasil
Por Marcos Frank
EDEGAR SCORTEGANA POR ELE MESMO
Eu nasci praticamente debaixo de uma videira, minha família sempre sobreviveu produzindo uvas e vinhos e em 1998 entrei na Escola de Enologia de Bento Gonçalves, hoje IFBG, e fiz a primeira formação em Técnico em Enologia, finalizando em 2001. Meu sonho sempre foi conhecer e me aperfeiçoar no mundo dos vinhos na Itália, então foi com muita dificuldade que em 2002 consegui fazer um estágio em Verona – Itália e depois disso apareceu oportunidade para estudar por lá. Em 2004, então, me mudei para Trento, onde iniciei minha formação mais profunda no mundo dos vinhos. Nesta cidade, estava ligado ao Università Degli Studi di Trento e ao Instituto San Michele All´Adige (Fundazione Edmund Mach), umas das melhores escolas de Enologia do Mundo. Fiquei três anos e continuei minha formação por mais dois anos em Udine na Università Degli Studi di Udine, fazendo a outra parte de minha formação. Neste meio tempo, trabalhei e colaborei com várias vinícolas italianas sempre para praticar o que aprendíamos em aula. A parte mais impressionante disto tudo é que em 2007 conheci o Sr. Deunir Argenta, proprietário da Luiz Argenta, que na época ainda era projeto. Encontramo-nos em uma feira de máquinas enológicas, em novembro, em Milão. Ele me comentou sobre o projeto e eu pensei comigo mesmo, “este cara está viajando”, mas, mesmo assim, quando voltei de férias, em janeiro de 2008, conheci o projeto que estava sendo erguido. Então fomos conversando durante o ano e quando voltei definitivamente da Itália, em janeiro de 2009, logo assumi a Luiz Argenta e até hoje estamos aqui trabalhando muito e nos divertindo ao mesmo tempo.
Hard work: no final de 2016, você foi eleito presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE). O que precisa mudar na enologia e na vitivinicultura brasileira?
A vitivinicultura brasileira está no caminho certo, a nova geração de enólogos, junto ao fácil acesso à tecnologia e a modernização dos vinhedos estão andando juntos. O único problema é que vitivinicultura não é como montar uma máquina com algumas peças. Em nosso setor são necessários anos para que os resultados apareçam. E podem ter certeza, estão aparecendo e surpreendendo.
Qual o estilo scortegagna de vinhos? Existe uma impressão digital?
Costumo falar que um enólogo pode fazer um vinho melhor ou pior que outro, mas nunca igual, mesmo partindo da mesma matéria-prima e condições. Isto torna cada enólogo único. Eu gosto de aproveitar ao máximo a expressão do terroir adicionando um pouco da escola italiana na qual fui formado e sempre prestando atenção ao consumidor.
Terroir brazuca: no panorama mundial do vinho, como o Brasil pode se destacar?
O Brasil está cheio de surpresas e está atraindo a atenção de vários países. Apenas estamos começando e já somos reconhecidos por outros países no mundo dos vinhos com os premiadíssimos espumantes.
Tenho certeza que estes são apenas a porta de entrada, logo logo ouviremos falar de muitas outras regiões pelo Brasil e a diversidade de variedades. Temos um clima muito interessante, se levarmos em conta a serra gaúcha, partimos de localidades a 250m sobre o nível do mar e vamos até 850m em menos de 1 km, isso explica facilmente.
Papo de bicho grilo: vitivinicultura tradicional ou orgânica?
Tenho certeza que todos, se pudéssemos escolher entre comer alimentos tratados com produtos químicos ou alimentos sem tratamento, escolheríamos os sem tratamento. O problema é que no mundo dos vinhos é bem mais complicado produzir qualidade que permaneça por longo tempo utilizando uvas e a vinificação orgânica. Por isso eu não sou a favor de nenhuma das duas vinificações, prefiro fazer uma vitivinicultura sustentável, onde possamos cada vez mais buscar usar o mínimo para atingir o máximo de qualidade. Com a tecnologia disponível hoje podemos diminuir muito o uso de produtos químicos.
Elogiando a concorrência… além dos vinhos da Luiz Argenta, dá para citar dez vinícolas brasileiras que todo amante de vinho deveria conhecer?
Não vejo as outras como concorrência, cada enólogo tem seu estilo e personalidade e o consumidor precisa conhecer e degustar vinhos de todas as vinícolas. Não vou responder esta pergunta porque do meu ponto de vista o eno-apaixonado precisa degustar tudo.
Geografia é destino! O clima gaúcho ajuda ou atrapalha quem faz vinhos?
O clima gaúcho tem suas peculiaridades, assim como todos os lugares do mundo têm as suas. Em alguns lugares, o problema é muita chuva, em outros é muito seco e assim por diante. Isso faz parte do terroir, caso contrário os vinhos seriam todos iguais. Baseado nisso eu posso te afirmar que nosso clima ajuda sim a termos algumas tipologias de vinhos de excelente qualidade.
Orgulho nacional: você produziu um merlot de uvas desidratadas, uma espécie de releitura nacional dos Amarones, que tem uma das melhores notas de um vinho brasileiro no Vivino. Pode nos contar como foi esse desafio?
Realmente foi um desafio, pois este vinho não depende do clima no momento da colheita, mas sim, na pós-colheita, quando as uvas estão desidratando naturalmente no sótão do casarão antigo. Esta ideia surgiu em 2009 quando recém tinha voltado da Itália. Vi o casarão dando sopa e aí decidimos fazer este vinho. Conseguimos fazer em 2009, 2011 e agora em 2017. É muito delicado desde a colheita até o momento da vinificação, se não ficarmos atentos podemos perder toda a uva.
Espelho, espelho meu: espumante, vinho branco ou tinto? Qual deles se adapta melhor ao Rio Grande do Sul?
Falando em RS, todos se dão muito bem, pois nosso estado é grande e as regiões de produção são muito variadas. Agora, se falarmos em regiões, aí sim poderíamos entrar mais no detalhe com algumas variedades. Como por exemplo as uvas para base espumante da serra gaúcha (Chardonnay, Riesling, Pinot Noir …).
Novidades: o que a produção por gravidade tem de vantagem em relação a outros métodos?
A gravidade é um detalhe que somado a todos os outros que levamos em conta fazem a diferença. Dentre eles os seguintes: Não quebra a semente e evita os taninos amargos do interior da mesma; deixa a casca íntegra, por isso ganhamos mais em contato sólido –líquido, isso significa mais cor e estrutura; evitando o esmagamento da casca também teremos menos borras e vinhos mais elegantes.
La dolce vita: após morar muitos anos na Itália, pode citar cinco tipos de vinhos que todo enófilo deveria conhecer e explicar por quê?
Claro, a Itália tem muitos grandes vinhos, sou suspeito de falar porque vou citar dos que eu mais gosto. Vou citar os vinhos e não as vinícolas.
1 – Amarone, por sua complexidade e desafio em elaborar;
2 – Gewurztraminer do Alto Adige (região de Bolzano), porque esses vinhos são de uma fragrância fantástica, delicados e finos. E além de tudo têm uma entrada de boca bastante persistente;
3 – Barolo, o rei dos vinhos, o vinho do rei, por apresentar um tanino quase indomável;
4 – Espumantes da Franciacorta, Pinot Noir, Chardonnay e Pino Bianco, estruturados e ao mesmo tempo refrescantes;
5 – Moscato di Pantelleria ou Zibibbo, vinho branco doce para sobremesa, feito com uvas desidratadas da variedade Moscato de Alexandria.
Madeira!!! No que uma barrica de carvalho ajuda os vinhos? Há realmente diferença entre a procedência dos carvalhos? Dá para usar em brancos e espumantes?
Sempre fui da opinião de que gosto de carvalho é uma consequência da maturação e micro-oxigenação dos vinhos em barricas. Existe sim uma grande diferença entre as diversas florestas de carvalho e principalmente a origem do país.
A madeira somente ajuda se colocarmos o vinho certo na barrica certa. Exemplo: no caso de um vinho muito estruturado, teremos duas opções. A primeira seria colocar o vinho em uma barrica nova por um ano e a segunda colocar em uma barrica de segundo uso por dois anos. No final vai ser a mesma coisa em termos de maturação, claro que no segundo exemplo não expressaria o aroma da madeira tão evidente. Por isso digo que o aroma é uma consequência.
Quanto aos espumantes, utiliza-se muito passar os vinhos bases por barricas, mas repito, o objetivo deveria ser para dar complexidade e um leve toque da madeira.
Wishlist: se pudesse fazer apenas um pedido ao governo brasileiro, o que pediria?
Clássica esta pergunta, a única coisa que todos queremos é que o vinho seja tributado como alimento.
Publicado na edição 33 da revista Gente que Faz
Texto Marcos frank
Imagens ilustração