Helen Rödel é uma teia de puro conceito

Em um cenário onde linhas, cordões e manequins se entrelaçam, Helen Rödel, de Lajeado, mas residindo em Porto Alegre há muitos anos, recebe Gente que Faz para alguns instantes cheios de história para contar. É no Centro Histórico da capital gaúcha que Helen cria suas despojadas peças, faz negócios com lojas do Brasil e do exterior e cuida de sua segunda filha, Glória, de oito meses. Com pouco mais de 30 anos, a também mãe da Cecília, de quatro anos, vê seu trabalho ganhar atenção especial no mundo todo. Seu marido, Guilherme Thofehrn, é também seu sócio… sim, este enredo envolve tricô, crochê, alma, cor e coração!

FOTO Eduardo Carneiro 2010

De fala calma e suave, a design de moda, proprietária e criadora da marca que leva seu nome, Helen Rödel, estava vestida para o bate-papo de forma simples e básica – blusa e calça pretas -, porém seu rosto ganhou destaque com os volumosos cílios postiços, que não estavam de maneira alguma exagerados, e que ficavam por baixo do óculos de grau Dior, completamente vintage e de lentes grandes, numa cor em tons âmbar. Por mais de uma hora, a artista falou com o coração sobre o trabalho que realiza, de originalidade indiscutível no tricô e no crochê, transformando-o em objeto de desejo.

FOTO Ana Malmaceda

As criações de Helen são de uma preciosidade e delicadeza surpreendentes, num forte comprometimento com o belo e com o novo. Para ela, as técnicas ofertam muito mais do que simplesmente releituras de formas clássicas. “Logo, entendi esse como um papel meu de trazer o que eu acredito para essa arte, de manter viva a técnica carregando consigo a mudança dos tempos. Essa é minha lógica aplicada ao crochê e ao tricô.” Helen desmonta estigmas como crochê da vovó, crochê rendado, crochê para o verão, de maneira a tornar-se ícone de peso na assinatura de produtos de moda originais e criativos de nosso país.

Helen cria e tem uma equipe de até dez artesãs que desenvolve tecendo as peças para ela. “Não posso fazer as duas coisas porque minha mente é muito inquieta. “Optei por me tornar design porque enquanto eu teceria uma gola, minha cabeça já estaria se desdobrando em um milhão de outras peças em que aquilo poderia se tornar. A criação é onde eu realmente me realizo.”

As criações da designer de moda versam em torno de blusas, saias, calças, vestidos, biquínis, maiôs, meias, vestidos de noiva, palas, pelerines… enfim, tudo que possa vestir o corpo das pessoas. “Na produção, temos sim um padrão, mas respeitamos o artesanal e a mão de cada artesã. Quem vende minha roupa é instruído a informar que as peças podem ter pequenas diferenças entre si, pois são feitas à mão, artesanais mesmo.”

A artista ressalta que, apesar de conceituais, suas peças podem, tranquila e completamente, ser usadas diariamente nas ruas. “A libertação por meio da roupa é algo que me fascina muito na moda. Evidente que existem códigos de vestimenta que precisam ser respeitados na medida em que cada pessoa tem uma posição.”

FOTO Eduardo Carneiro 2014_2

Cronologia Helen Rödel

2007 – O primeiro desfile de sua vida dentro da arte da moda foi no Mix Bazaar, em Porto Alegre.

2008 – Participou do Mix Bazaar expondo suas peças ao público, e ingressou na faculdade de moda, na UniRitter.

2009 – Em Reykjavik, na Islândia, apresentou suas criações na Semana de Moda, em edição com jovens designers do mundo todo. “Eu fui a única convidada do Brasil e da América Latina para exibir minhas peças. Foi algo doido e maravilhoso, pois quando eu voltei para as terras brasileiras rendeu demais minha participação lá.”

2010 – No Donna Fashion Iguatemi, apresentou suas peças na passarela principal, sendo a primeira vez que isso acontecia, pois ela não compunha o quadro de lojistas do Iguatemi.

2011 – Exibiu as roupas no Dragão Fashion Brasil, uma semana de moda que acontece em Fortaleza, no Ceará, em um evento muito voltado para a artesania.

2012 – Mostrou o que produz na Casa de Criadores, em São Paulo, sendo esta a última vez que participou de desfiles mais convencionais, de passarela. Ela argumenta que desfiles têm a importância de ser uma clássica plataforma de apresentação da moda, e sendo tão clássica, ela tem uma importância e um entendimento por parte das pessoas, mas percebeu que não serve mais para ela enquanto apresentação. “Minhas roupas são manuais, com detalhes muito primorosos e precisam ser vistas muito mais de perto do que uma passarela pode oferecer.” Por este motivo, para exibir minhas criações, acredito e tenho utilizado formas muito mais transcendentes e especiais como vídeos.” A artista explica que nesta modalidade, podem ser criados roteiros e filmes extraordinários. “Acredito que a moda pode ser talhada com muito mais sentido do que muitas vezes é. Acho mais relevante, inclusive em termos de valores e conceitos que podem ser passados.” A partir de então, Helen apresenta suas criações por meio de vídeos, pelo seu site, por meio de fotos, abordando, por exemplo, como as artesãs trabalham.

2013 – É convidada a apresentar sua coleção para buyers e imprensa na embaixada brasileira em Londres, na Inglaterra, e na prestigiada feira Who`s Next, em Paris, na França.

2014 – Em Xangai, na China, em evento que reuniu workshops, encontros com buyers, entrevistas para Elle China, jantar de gala com a apresentação das peças, a grife Helen Rödel mostrou sua expressão, firmeza, sensualidade e sutileza. O convite partiu da entidade da qual a empresa Helen Rödel é integrante, o Texbrasil (Programa de Internacionalização da Indústria da Moda Brasileira). O evento, que já teve diversas edições, foi uma promoção do design e da moda brasileira no exterior voltada para multimarcas de luxo na China, além de Helen Rödel, também estiveram por lá Corso Como, Galeries Lafayette, Cecília Prado, Patrícia Bonaldi, Marcelo Quadros, Jorge Bischoff, Capodarte, entre outras renomadas marcas. “Em minha opinião, a moda no Brasil deu um salto magnífico.”

FOTO Eduardo Carneiro 2013_3

Bate-papo com Helen

Como foi sua infância de menina do interior? Ela influenciou em sua vida profissional?

Eu nasci em Lajeado, uma cidade que tem 50 mil habitantes e, quando eu era criança, queria ser patinadora. Sempre quis fazer patinação! Mesmo criada em apartamento, eu sempre fui inquieta. Morava ao lado do colégio, andava muito de bicicleta.

Convivi com o tricô desde muito criança, pois minha mãe bordava com ponto cruz, fazia crochê e tricô e tinha muito talento. Minha mãe sempre foi uma referência importantíssima para mim. Tudo que eu pudesse aprender com ela me esforçava muito. E como ela é uma pessoa muito agradável e que eu amo demais, aprender com ela significava passar mais tempo ao lado dela, o que para mim foi sempre muito prazeroso. Eu e minha mãe criávamos suéteres para a família toda em tricô e crochê. Começou, então, desta forma, lúdica, amorosa e estando ao lado de minha mãe.

A moda na realidade foi algo que também entrou em minha vida na infância, pois desde os dez anos de idade, eu colecionava revistas de moda. Eu usava minha mesada para comprar revistas Elle, as quais minhas primas, mais velhas do que eu, já compravam e eu sempre ficava fascinada. Eu amava imagens, ficava horas olhando as revistas. Desde criança eu tinha pilhas e pilhas de revistas, fazia recortes e conseguia identificar meus gostos. Eu também colecionava os cadernos Donna da Zero Hora. Ficava impressionada com o que ilustrava a coluna do Xico Gonçalves (colunista de moda). Minha irmã mais velha desenhava e eu tentava copiar os desenhos dela depois… Assim, para mim, tudo isso sempre foi muito associado a lazer e momentos que chamo de solidão produtiva e gostosa.

E os cursos de moda, entraram em que momento de sua trajetória neste mercado?

A decisão de fazer moda em cursos técnicos e na faculdade veio depois de eu ter cursado uma parte do curso de letras e de publicidade. Não completei nenhuma das duas graduações, mesmo tendo talento para as duas áreas. Decidi não negar mais a vontade maior que era moda. Não sabia exatamente como eu ia me desenvolver no segmento, mas eu entendi o meu fascínio e precisava ingressar na área para, justamente, achar esse lugar da moda dentro de mim profissionalmente.

Assim, resolvi de uma semana para outra cursar moda profissionalmente e me matriculei num curso técnico no Senac, sendo o primeiro de muitos cursos que fiz. Após, em 2008, cursei a faculdade de moda na UniRitter, pois precisava ter mestres e trocar experiências, mas sempre participei de concursos de moda, pois enquanto ainda era estudante queria estar presente em tudo que a moda pudesse me ofertar.

Que tipo de bagagem os inícios das outras duas graduações trazem para sua vida profissional hoje? 

Quando necessário faço alguma arte gráfica ou logotipo. Também utilizo bastante coisa de teoria da comunicação, semiótica… Do curso de Letras, o que ficou foi o hábito de ler, enriquecendo muito meu vocabulário. Dá mais repertório e fluidez na escrita.  Conta um pouco como você decidiu ter uma marca.

Minha primeira marca foi a Rödel LA ou Rödel Latin America, pois queria algo que tivesse uma identidade mais Latino Americana, mais ampla do que somente brasileira. Tive também que constituir a marca para que pudesse fazer uma coleção e aproveitar um prêmio que havia ganhado, pois este previa a participação da empresa em um ano de estande na feira Mix Bazaar, em Porto Alegre, além de um desfile, entre outras atividades bacanas.

Tudo sempre fomos o Guilherme, meu marido e sócio, e eu que fizemos. O site, as fotos, o aprendizado do uso de foto shop e de outras técnicas de aperfeiçoamento. Tudo sempre a quatro mãos!

Durante este tempo, percebi que uma marca de autor precisava ter o nome do autor, pois o indivíduo que está por trás é fundamental numa marca autoral. E não tinha porque não assumir meu nome enquanto marca também. A Helen Rödel foi nada mais do que uma evolução de marca, pois meu produto criativo mixando o artesanato com o design permaneceu.

FOTO Eduardo Carneiro 2014_1

Com um trabalho focado no conceitual da moda, como você lida com a questão comercial para a venda de suas peças?

No início da minha trajetória, a questão comercial era o que menos me importava. Realmente, queria desenvolver-me como criadora, livre, transcendendo os limites do vestir. Claro que quando se ingressa num caminho mais comercial, em que tem de se atender demandas reais, o trabalho criativo se adapta a isso, sendo, da mesma forma, um desafio maravilhoso. Realizo-me muitíssimo criando para duas plataformas: uma comercial, na qual preciso observar alguns critérios como cartela de cores, ambientes em que a roupa vai ser usada, entre outros, mas necessito também daquele escape quando vou poder criar a peça quase como um figurino, como um delírio

O que Helen Rödel quer deixar como mensagem para os leitores da Gente Que Faz?

No momento em que um país entender que precisa capacitar as pessoas na medida de seus talentos natos, do que realmente as faz feliz, é quando teremos uma nação fortalecida e um povo feliz. As pessoas têm de perseguir ao máximo aquilo de que gostam de realizar. Mas, para isso, sempre teremos que abrir mão de algumas coisas para chegarmos num momento em que o trabalho será reconhecido e pago. É fundamental tentar olhar para dentro de si e descobrir o que realmente a faz feliz, sendo isso o que se vai poder ofertar de genuíno e com mais valor aos outros.

Texto: Andréa da Silva Spalding

 

 

 

 



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