Ele não é o Papai Noel. Mas é um ícone do Natal

Na casa dos 60, de óculos, barba branca e com um vozeirão. Ele bem poderia ser o Papai Noel. Não é. Mas já teve uma devoção memorável ao Natal. O empresário Luciano Peccin foi um dos idealizadores do Natal Luz de Gramado, evento para o qual se dedicou – junto com sua família – por mais de duas décadas. Um pouco dos bastidores dessa história ele conta no livro “A luz que transformou uma cidade”, lançado em 2018, em coautoria com o jornalista Luiz Fernando Coelho. Um case de inspiração, mostrando o extraordinário poder da sinergia de uma comunidade. Se Gramado está hoje entre os top 5 dos destinos turísticos mais procurados no Brasil – e no rol das festas de Natal mais conhecidas do mundo – essa conquista em muito se deve ao trabalho desenvolvido a partir desse embrião natalino.

 

Luciano Peccin foi capa da edição 49 da Revista Gente que Faz, com entrevista exclusiva

Veja só que curioso: a Região das Hortênsias, por seu clima de montanha, com rios e cascatas, antigamente era um destino de veraneio. E foi nesses períodos de férias, durante a adolescência e a juventude, que o gramadense Luciano Peccin recebeu influências determinantes para a sua formação e trajetória.

“Aprendi praticamente tudo na minha vida com os veranistas que vinham para Gramado. Eram pessoas da alta cúpula de Porto Alegre. Eu participava da turma e enxergava neles uma cultura que minha família e eu não tínhamos. Meu pai sabia escrever muito bem, mas nunca foi à escola. A convivência que tivemos com essas pessoas foi muito importante não só para mim, como também para o meu grupo todo. Isso fez com que a cidade tivesse muita sorte. Pessoas maravilhosas vieram e implantaram aqui coisas fantásticas”, reconhece Peccin.

 Com o passar do tempo, criou-se no Estado a tradição de veranear no litoral e a Serra começou a esvaziar no verão. Então em 1986, na sua primeira gestão como secretário de Turismo de Gramado, o empresário – à frente do Hotel Casa da Montanha – recebeu o desafio: movimentar a cidade na baixa temporada. Junto com o maestro Eleazar de Carvalho teve a ideia de criar o Natal Luz, que estreou com um concerto da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa).

 


INSPIRADO NA DISNEY, PECCIN TEVE O INSIGHT DE ILUMINAR A FACHADA DAS CASAS DA AVENIDA BORGES DE MEDEIROS. COMO FAZER ISSO SEM ORÇAMENTO? COM LÂMPADAS DE GELADEIRA. SAIU BATENDO DE PORTA EM PORTA, OFERECENDO O KIT A PREÇO DE CUSTO. PARA SUA SURPRESA, TODOS COMPRARAM.


Atrações na bastavam, precisavam criar um clima na cidade, com decoração temática. Inspirado na Disney, na Main Street, Peccin teve o insight de iluminar a fachada das casas da Avenida Borges de Medeiros. Como fazer isso sem orçamento? Ele, que assim como o pai já havia sido madeireiro, montou réguas com lâmpadas de geladeira (as menores disponíveis na época) e saiu batendo de porta em porta, oferecendo o kit a preço de custo. Para sua surpresa, todos compraram.

 Questionado sobre como havia conseguido convencer todos a participarem, o empresário fala sobre a concorrência saudável que existe nas cidades pequenas. Resgata que a prefeitura, quando fez os canteiros da Avenida Borges de Medeiros, não tinha recursos para plantar as flores. Então entregou para os moradores. Cada um cuidava do canteiro na frente da sua casa. Um mais bonito que o outro. E, no caso do kit com luzinhas de geladeira, diz que o morador comprava justamente porque o vizinho já havia comprado.

“As pessoas às vezes me convidam: Luciano, vamos fazer o Natal Luz em tal lugar? Não existe Natal Luz em tal lugar. Existe Natal em tudo o que é lugar do mundo. Agora, o Natal Luz é em Gramado porque a comunidade de Gramado fez o Natal Luz, abraçou essa causa”, explica o empresário.

Com o tempo, substituíram as lâmpadas de geladeira por mini lâmpadas, que a família Peccin tinha visto em Nova Iorque. A importação era muita cara e descobriram a possibilidade de trazer do Paraguai o produto que era fabricado na China. Só que tinha um problema: eram frágeis para uso na rua. Como acendem em sequência, quando uma queima ou sofre mau contato, várias apagam.

“Tínhamos que estar constantemente verificando as lâmpadas e consertando as estragadas. Para isso, usávamos nossos filhos de seis, sete anos para nos ajudar. Entregávamos a eles várias lâmpadas para levarem nos bolsos e eles iam passando na avenida, conferindo os cabos que estavam apagados e mexendo nelas, uma a uma, para trocar ou arrumar as queimadas. Era uma tarefa de paciência e as crianças eram as que mais tinham. Uma turma grande ajudava. Hoje essas crianças já são pais e com certeza contam aos filhos, com orgulho, a tarefa que desempenhavam por Gramado”, assinala.

Luciano Peccin foi presidente do Natal Luz de Gramado por 17 edições. Transformou um simples Concerto de Natal no que é hoje um dos maiores espetáculos do planeta

Peccin vivia o ano inteiro para o Natal, envolvendo toda a família: a esposa Marlene, os filhos Felipe e Rafael e, depois, também as noras.

Marlene e Luciano Peccin com os filhos Rafael e Felipe, as noras Jaqueline e Iara e as netas Luana e Antonella

O bom gosto de Marlene

“Minha esposa foi minha sombra ou eu fui a sombra dela. Estava sempre junto nos dias ruins (e foram muitos) e nos dias de muita emoção. Era quem me ajudava a definir praticamente tudo. Arregaçava as mangas e botava a mão na massa. Estava permanentemente nos nossos barracões acompanhando costureiras, carros alegóricos e tudo o que era produzido na nossa fábrica de sonhos. Decoradora formada, com um bom gosto incrível, só teve grandes professores”, elogia Peccin. Marlene é filha de Jayme Prawer, dentista e empresário. Foi o pai do chocolate caseiro de Gramado, uma referência nacional, ao importar a ideia de Bariloche.

Parceira de viagens, a esposa também ficava antenada a tudo o que de interessante pudesse ser reproduzido na cidade. Em uma das idas a Nova Iorque, o casal trouxe inspiração para uma árvore cantante. Na frente da igreja matriz São Pedro, quase na calçada, junto a um pinheiro, colocaram uma arquibancada para apresentações do Coral de Gramado. Foi um sucesso.

“Certo dia, entre os turistas, alguém me disse: ‘não sei porque, mas parece que já vi isso em algum lugar’. Prontamente respondi: ‘não dá para confiar nesses estrangeiros, eles viajam muito e sempre nos copiam”, diverte-se Luciano.

Outro marco no Natal Luz foi o uso de garrafas pet na decoração. Marlene, junto com Nelsi capitaneava a equipe que – com muito empenho e criatividade para não cair no brega – transformava o “lixo” em enfeites de Natal. A partir de 2002, ao envolver as escolas nas campanhas de arrecadação, a ação criou um vínculo sem precedentes com a comunidade. Por ano, os estudantes entregavam cerca de 350 mil garrafas. Além disso, tornavam-se guardiões da decoração nas ruas, impedindo que alguém a estragasse.

Expertise Disney

 O filho mais velho, Felipe, que integrava a turma da troca de lampadinhas, com 14 anos participou de um programa de intercâmbio nos Estados Unidos. Com 19, já estudando hotelaria, voltou para a América do Norte para um programa na Disney. Aos 21, foi contratado para lá gerenciar um hotel da empresa. Com 23, voltou para Gramado para assumir como secretário municipal de Turismo. E, abre parênteses: apesar da notória rivalidade com a cidade vizinha, casou-se com a então secretária de turismo de Canela, Iara.

 

Mas voltando a Gramado… Felipe recebeu a missão de resolver um problema: a cidade não suportava a quantidade de pessoas que vinham para assistir aos shows. Foi aí que, em 2001, aplicou a expertise Disney: transformar a cidade em um parque temático.

 

“Essa foi a grande virada. Num parque temático, todo dia de manhã, começa tudo de novo. Precisávamos criar atrações que pudessem ser renovadas. Eu não podia fazer isso com um coral de cinco mil vozes ou com uma orquestra com uma centena de músicos. Era necessário desenvolver os talentos daqui, para que as atrações pudessem ser repetidas. Nós éramos o espetáculo”, recorda o empresário.

E complementa com satisfação: “Deu certo. Hoje somos um parque temático de um monte de coisas. Gramado é uma Orlando do Sul. Tu podes ficar aqui 15 dias aqui com atrações diárias”.

Joãosinho Trinta

O Natal Luz se transformou em algo superlativo porque nasce no trabalho de formiguinha da comunidade e ganhou fôlego com decisões arrojadas. Uma delas foi a contratação do carnavalesco Joãsinho Trinta. Tiveram a coragem e a ousadia de chamar um mestre na arte profana para lidar com algo extremamente sagrado, que é o caso do Natal. Mas vale lembrar que na equipe pensante também tinha um padre católico muito ativo – Eloi Sandi.

“Não tínhamos medo do que queríamos fazer, e queríamos fazer sempre o melhor. Como pensar num grande desfile sem contratar o melhor? Depois de tudo acertado, ele nos disse o seguinte: ‘Não venho a Gramado para ganhar dinheiro. Venho para deixar um legado de artistas, músicos, escultores, pintores e desenhistas que trarei para cá e que com certeza ensinarão muito aos gramadenses. Em pouco tempo verão que terão por aqui estes artistas”.

E foi o que aconteceu, em 2009, com a criação da escola de artes Pedro Henrique Benetti, que até hoje forma artistas em 12 modalidades. “Joãosinho me dizia: a expressão não é só corporal, é facial. Precisa convencer. E isso nós conseguimos fazer com os jovens de Gramado. Quando mexemos com os jovens, mexemos com a comunidade inteira. Quando tu mexe com uma criança numa casa, tu tá mexendo com a família desta casa. E essa criança em pouco tempo está adulta e outras crianças virão. O trabalho com elas foi a base para que sejamos o que somos hoje”, analisa Peccin.

Aos desfiles organizados por Joãsinho Trinta, foram agregando espetáculos extraordinários. Um deles foi com o melhor patinador das Américas, Marcel Stürmer. “Em casa, pela televisão, acompanhamos a conquista do título. Natural de Lajeado, terra da minha nora mais nova, Jaqueline, e por coincidência amigo dela. Não deu outra, dias depois estávamos sentados montando como seria sua apresentação no desfile. Vestido de anjo e iluminado, descia a Borges transformada em passarela com uma performance que levava o público aos aplausos.

Depoimentos extraídos do livro:

“Marlene, descobre como podemos decorar a cidade para o Natal – pediu o Luciano. Meu Deus! Onde? Nunca havia ido a Nova Iorque ou algum lugar que decorava suas ruas para um evento! Tudo tinha que ser para ontem! Toca telefonar para um casal de americanos que conhecíamos para nos contar alguma coisa. Toca falar com um professor de francês que eu tinha na época, e que era basco, para contar algo sobre a decoração na Europa. ‘As cidades pequenas, na fronteira com o País Basco, usam pinheiros naturais enfeitados’, disse ele. Plim plim!”

Marlene Peccin

 

“Em 1986, quando eu tinha sete anos, vi meus pais chorarem de emoção ao ver o 1º Natal Luz nascer na frente da igreja de Gramado. Desde então, meus natais nunca mais foram os mesmos. No começo, eu não entendia porque me levavam junto nas jantas e encontros de seus amigos para discutir ideias de como fazer o Natal na rua, e não dentro de casa. Pelo menos nessas jantas também tinham outras crianças, filhas dos amigos dos meus pais, e nós acabávamos ajudando a fazer topes, a cortar garrafas de vinho que serviriam para colocar as velas da caminhada dos corais, e dentre muitas outras atividades, a de abrir festões. Eu não gostava muito de abrir festões porque era muito repetitivo e a gente sempre acabava com as mãos todas machucadas, às vezes com um corte superficial ou até mais profundo. Por sinal, tenho uma cicatriz na mão esquerda que trago de recordação daquele tempo de abrir festões. Mas o mais legal mesmo eram as luzinhas. Quando elas chegaram em Gramado pela primeira vez, vindas do Paraguai, escondidas debaixo de cachos de banana, foi quase amor à primeira vista.”

Felipe Peccin

 

O Luciano avô e hoteleiro

 

Aos 69 anos, Luciano Peccin preside os negócios da família, embora já tenha passado a administração geral aos filhos Felipe e Rafael. Criaram uma coleção de hotéis com características próprias, que reúnem quatro opções de hospedagem: o tradicional hotel Casa da Montanha, o Petit e o Wood, em Gramado, e o Parador, em Cambará do Sul.

Com a pandemia de Coronavírus, o empresário precisou reduzir as idas aos escritórios. Participa das reuniões de casa, onde tem a companhia da esposa e das netas Luana, 12, e Antonela, 7 anos (filhas de Felipe e Iara). “Elas passam o dia comigo, brincando, desenhando, pintando. Tenho aprendido muito com elas, inclusive a mexer no celular”, revela.

É apreciador de um bom vinho e também de charutos cubanos – com predileção pelo Hoyo de Monterrey. Degusta dois por dia, em um momento propício a reflexões. Reflexões como a metáfora que ele usa ao final da nossa entrevista, referindo-se ao carrossel que colocou na frente do Casa da Montanha: “Sou apaixonado por carrossel. É um brinquedo que não envelhece. Ele está lá para dizer: este hotel não pode envelhecer. Assim como um carrossel, não podemos deixar que ele se perca no tempo.”

 

Verdade, seu Luciano. Assim como não podemos deixar que se perca no tempo a trajetória do Natal Luz. Obrigada por compartilhar em livro essa história.



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