Dr. Pedro Schestatsky quebra os paradigmas da medicina tradicional
Publicado em 5 de janeiro de 2024O neurologista Pedro Schestatsky, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Funcional Integrativa, apresenta o seu método MAP – Movimento, Alimento e Pensamento, e defende uma nova relação entre médico e paciente
Em determinado momento da carreira, o médico neurologista Pedro Schestatsky olhou para o seu trabalho e, num autodiagnóstico, percebeu que algo não ia bem. Ele se percebia apenas como o “mestre das pílulas” e passou a incomodá-lo a ideia de não ter algo a mais para oferecer aos seus pacientes, mesmo sendo na época professor da Faculdade de Medicina da UFRGS.
Foi então que começou o que ele chama de desconstrução. Buscou novas fontes de conhecimento para apoiar aquilo que ele entendia que podia ser feito por um paciente, que ia muito além de somente remediar sintomas à base de comprimidos.
Embasado por novas ferramentas da medicina funcional integrativa, conseguiu resultados expressivos e, na época, surpreendentes, mesmo em pacientes com doenças graves, como Parkinson e Alzheimer. Dessa forma, Dr. Pedro defende hoje a importância de aspectos como o exercício físico, a alimentação e tudo o que cerca nossos pensamentos, como estratégias eficazes para preservação da saúde. E entende que sua missão é informar aos pacientes sobre as alternativas de bem-estar e longevidade. “Eu sou um curador e um garçom ao mesmo tempo. Assim, eu filtro informações sobre saúde disponíveis nas redes e ofereço um menu simples de intervenções em saúde cientificamente comprovadas, que o paciente vai decidir ou não embarcar. Ao final de contas, a saúde é dele, não minha”.
Na entrevista a seguir, Dr. Pedro, que tem pós-doutorado em Harvard e é presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Funcional Integrativa, fala sobre a aplicação da medicina por esse novo viés, nos seus consultórios em Porto Alegre e em São Paulo.
O senhor é médico neurologista funcional integrativo. Como foi chegar a essa ramificação, que trabalha diretamente com a qualidade de vida e a longevidade?
Eu fiz o tema de casa e depois eu dei uma desconstruída na minha formação, algumas pessoas falam em ser “fora da caixa”, mas prefiro o termo “ampliador da caixa – de ferramentas”. Mas o que foi esse tema de casa? Eu sou filho de professores, então eu sempre quis ser professor naquilo que eu fosse estudar. O meu pai é médico e eu fui atrás disso, então eu fiz a faculdade na UFRGS, residência em Neurologia no HCPA, depois o mestrado na UFRGS também. O doutorado eu fiz na Universidade de Barcelona e o pós-doutorado em Harvard, tudo para ter condições, quando tivesse um concurso para professor federal, eu estar habilitado. Publiquei mais de 50 artigos em revistas internacionais revisadas por pares e isso foi decisivo para passar no concurso da Faculdade de Medicina UFRGS, onde lecionei por cerca de 10 anos. No entanto, como professor da UFRGS, eu supostamente teria uma ótima saúde e um consultório repleto de pacientes felizes, certo? Só que não. Número 1: quando eu fui fazer os exames admissionais havia uma série de alterações importantes. Número 2: no consultório, eu era apenas o “mestre das pílulas”: antidepressivos, antiepiléticos, antipsicóticos, “anti isso”, “anti aquilo”. Os pacientes eram reféns deste cenário pouco animador. De fato, eu não tinha muito mais para oferecer. Durante a faculdade e residência médica nunca se falou sobre estilo de vida. Se achava que o cérebro era um órgão separado do corpo. Assim, o foco era sempre remédios e intervenções para o cérebro, sem levar em consideração outras áreas do corpo que impactam o cérebro, como o intestino, por exemplo, entre outras áreas. Mas a ficha só caiu em 2016, quando fui em um congresso de Medicina Exponencial na Califórnia. Lá eu vi que as ferramentas da medicina funcional iam muito além das pílulas. E eu comecei a colocar isso em prática e a ter resultados extraordinários, difíceis de acreditar em doenças graves como Parkinson, Alzheimer, epilepsia, esclerose múltipla, etc. E aí eu passei a não acreditar mais numa medicina engessada, que atende muito mais aos interesses dos acionistas das fábricas de remédios do que os interesses do paciente.
“O ocidental não lida bem com a finitude. Então, ele guarda dinheiro para sua CTI enquanto poderia morrer dormindo. Seria tão melhor, né?”
Depois dessa experiência, inclusive, que o senhor escreveu o seu livro “Medicina do Amanhã”?
Sim, neste livro eu resolvi mandar uma mensagem ao mundo. “Para tudo!” Temos que rever urgentemente a relação entre três atores: médico, paciente e tecnologia. Eles não estão se entendendo, pois os números em saúde só pioram, apesar de todos os avanços. Trata-se de uma espécie de manifesto de tentar reconectar o paciente ao médico com novas tecnologias como pano de fundo. No final das contas, morrer dormindo, com saúde, aos 90 anos deveria ser o objetivo vital de todo o ser humano e para que isso aconteça muitos conceitos precisam ser revistos, sendo o principal deles o foco na saúde e não na doença, como se tem feito até hoje desde o início da faculdade. Hoje, a expectativa média de vida do brasileiro é 75 anos. Portanto, estamos jogando no lixo 15 anos. Puxa, neste tempo é possível fazer muita coisa, estando funcional, claro. E a única maneira de estar funcional lá na frente é “comprimir” as doenças típicas do envelhecimento lá para as décadas de 80 ou 90 de vida. Isso é perfeitamente factível com a mentalidade e ferramentas certas.
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O senhor trabalha com esse número, 90 anos. Quando vale a pena viver 90 anos?
Longevidade é viver bem. Eu criei um método, o Método MAP – Movimento, Alimento e Pensamento. É um programa de 7 semanas que acaba tornando o paciente protagonista do seu problema. Ele vira um pouco médico de si mesmo, emponderado por novas tecnologias muito fáceis de lidar, como um computador de passos, por exemplo. Hoje, meus pacientes estão tendo resultados maravilhosos em função do seu próprio autocuidado, porque, veja bem, o paciente vai ao meu consultório três vezes ao ano. Os outros 362 dias é com ele. Eu não posso estar ali, onipresente. Eu consigo passar isso para os pacientes, que são técnicas motivacionais, mais persuasivas, de engajar o paciente. Tem um estudo muito famoso que diz que o paciente sai de uma consulta apenas com 12% a 15% daquilo que o médico falou. Essa é a razão pela qual meus pacientes saem com um material, uma pasta com folhas para que eles consigam ler o que eu explico. Tem pacientes que não leem e há um pouco de livre arbítrio nisso. Eu posso querer viver ou morrer mais cedo sendo um fardo para mim mesmo, sendo um fardo para a família, sendo um fardo econômico. Mas são opções muito culturais. O ocidental não lida bem com a finitude. Então, ele guarda dinheiro para sua CTI enquanto poderia morrer dormindo. Seria tão melhor, né?
Além de Porto Alegre, o senhor também levou o seu método para um curso de Pós-Graduação em Saúde Mental e para pacientes em São Paulo recentemente?
Isso. Eu fechei o meu ciclo como professor de faculdade e hoje eu me tornei um escritor, palestrante e médico ativo. Mas sou apenas um e atuo apenas em Porto Alegre. Isso criou uma inacessibilidade muito grande no meu trabalho. Por decidi duas coisas: criar um curso para profissionais da saúde se capacitarem no conceito funcional integrativo e também começar a atender em São Paulo 1 vez/mês. Estou há mais de um ano também em São Paulo e recebo pessoas de todos os cantos do Brasil.
O senhor fala muito sobre o exercício físico estimular o cérebro. É isso mesmo?
Do Método MAP – Movimento, Alimento e Pensamento, o movimento é o mais impactante para o cérebro. O exercício físico beneficia o cérebro primariamente, os outros órgãos que são beneficiados, como o coração e o pulmão, eu costumo dizer que são efeitos colaterais de luxo. Todos se beneficiam, mas o cérebro é o maior beneficiado.
E a respiração, como ela pode ser nossa aliada?
A respiração, a diafragmática, ela absorve o oxigênio 30% mais. Ela reduz nossa pressão arterial, aumentando a nossa longevidade. Ela diminui a frequência cardíaca, não dando tanto trabalho para o coração. Ela diminui o cortisol, o hormônio do estresse. Ela aumenta a testosterona, que é um hormônio importante. E não é sobre libido, é sobre energia: tem receptor de testosterona no cérebro. Ela aumenta o hipocampo, que é uma zona responsável pelas memórias e aprendizado. Ela aumenta a substância cinzenta, que é o corpo do neurônio. Bom, eu poderia falar horas sobre os benefícios da respiração. A respiração é uma cirurgia sem cortes, sem custo e sem risco. Voltar a respirar corretamente é um resgate, é aprender com os caras que há 5 mil anos fazem isso. É claro que eles não estão aí, mas existem vários representantes. Esses representantes são os professores de yoga, de pilates. Alguns fisioterapeutas também sabem muito bem como respirar. No meu material de consultório, eu tenho vídeos em que eu respiro. Eu criei quatro categorias de respiração para principiantes, intermediários, master e master plus. Se fala muito em 10 minutos de respiração correta, mas a gente começa com 1 minuto na primeira semana e já faz total diferença. E não é uma respiração para refúgio, que as pessoas podem pensar: eu estou ansioso, vou respirar fundo. Isso também é muito útil, mas eu me refiro a uma respiração preventiva.
Outro tema recorrente nas suas abordagens é o uso exagerado do celular. Como ele tem prejudicado a nossa saúde? A gente já consegue medir essas consequências?
Hoje 99% das pessoas dormem ao lado do celular. O celular é um pouquinho como o cigarro quando ele foi lançado. O iPhone foi lançado em 2007, relativamente recente. Foram necessários 15 mil artigos científicos para provar que o cigarro fazia mal. E aí depois, as leis foram ajustadas, as pessoas ficaram mais atentas e tal. Na questão do celular, tem várias facetas pelas quais ele é prejudicial. Ele é prejudicial do ponto de vista dessa tripla desconexão do sujeito com ele, das relações que a gente deixa de ter. Ele é um estimulante do sedentarismo porque ele rouba o nosso tempo. Tem essas coisas comportamentais. Mas tem as questões físicas, eletromagnéticas. Elas não têm uma comprovação 100%, mas serão necessários alguns estudos a mais para comprovar também esses efeitos que poderiam, de certa forma, ajudar as pessoas a se conscientizarem e comprarem um despertador digital analógico. Eu acho que a indústria dos despertadores deveria se preocupar mais em criar despertadores atrativos e com músicas mais suaves, porque muitas pessoas não compram despertador porque são acordadas com um barulho que parece um alarme de incêndio. Então, muita gente usa essa desculpa para seguir usando o celular.
“Eu sou um curador e um garçom ao mesmo tempo. Assim, eu filtro informações sobre saúde disponíveis nas redes e ofereço um menu simples de intervenções em saúde cientificamente comprovadas, que o paciente vai decidir ou não, embarcar. Ao final de contas, a saúde é dele, não minha.”
E o pensamento negativo? Quem tem pensamento negativo morre mais cedo?
Certamente. Essa foi uma descoberta de um prêmio Nobel, Elizabeth Blackburn, junto com a psicóloga Elissa Epel. Os pensamentos negativos foram estudados e os mais estudados são quatro: ruminação, devaneio, hostilidade e pessimismo. Esses quatro foram estudados, mas sabe-se que outros também geram lesões, danos celulares em nível de DNA. Então, foi descoberto que isso encurta o telômero. Aí entra o cara que briga no trânsito, o outro cara que é hostil, o cara que acha que está tudo errado, o pouco grato. No caso da ruminação, por exemplo: o cara está numa festa, passa por um amigo de colégio, e o cara não cumprimenta ele. E ele fica com aquela coisa, por que que não me cumprimentou? E fica com aquilo toda festa, depois toda a semana, depois aquilo volta, e ele pensa nisso de novo e de novo. Daqui a pouco ele reencontra essa pessoa e diz: pô, que que eu te fiz para tu não me cumprimentares naquela festa? E ele diz: nada, eu só não te vi. Nesse momento, o telômero dessa pessoa encurtou horrores. Já o devaneio é aquele cara que não consegue viver o presente. É a mesma coisa eu estar aqui e pensando no que aconteceu ontem e no que eu vou fazer amanhã. O ser humano normal, que não tem transtorno de humor, ele pensa cerca de 70 mil fragmentos de pensamento por dia. O ansioso, ele chega a 240 mil. É muita carga, porque o cérebro, apesar de representar apenas 1% do peso do corpo, ele consome 30% da energia. Uma carga absurda, então tu não tens tempo para mais nada. Razão pela qual, quando a gente sai de uma prova, a gente sai que aquela dor de cabeça, e pensa: eu quero agora dormir. É como se a gente tivesse corrido uma maratona. Claro, houve o consumo de muita energia.
E a questão do amor?
O amor pode ser o amor romântico ou o amor não romântico. Amor familiar, por exemplo. Ele foi considerado o maior preditor de longevidade. Um estudo que seguiu milhares de pessoas por 85 anos, conduzida pela Universidade de Harvard sobre longevidade, observou que de todos os fatores, obesidade, hipertensão, se fuma ou não fuma, enfim… Os relacionamentos foram os mais importantes, mais ou tão importantes quanto ser magro ou não. Então, aquele cara que se orgulha de ser ermitão e se orgulha e se gaba de ser um cara reservado, esse está abreviando a sua vida. É um direito, mas ele precisa saber isso, eu acho isso importante: os pacientes precisam ter opção. Quando falo para os pacientes das práticas herméticas, que são aquelas práticas que oferecem a adversidade ao próprio corpo, como tomar um banho frio, aí eu quero que eles saibam que aquilo vai aumentar o telômero, vai aumentar da tua autofagia, que é limpeza de células mortas. Isso melhora a tua imunidade, melhora a tua resistência insulínica. Agora, se tu vais fazer ou não, isso é uma coisa tua. Eu sou um garçom e eu preciso dar o menu.
E como a alimentação impacta nossa saúde? O que o senhor diria paras as pessoas começarem a fazer hoje mesmo?
Número 1: parar de comer quando está satisfeito, não ficar com aquela sensação de estar estufado. Número 2: beba dois litros de água por dia, são seis copos. Número 3: evite os carboidratos no café da manhã e de noite. Carboidrato não pode ser usado nas pontas, nem no início do dia, nem no fim do dia. Consuma ao meio-dia, mas não nos horários extremos. Não esqueça, também, de manter uma distância de três horas entre a janta e o sono. Por que? Porque ao fazê-lo tu mesmo vais produzir uma substância neuroprotetora dos tecidos em geral, mas especialmente do cérebro, que são os corpos cetônicos. E isso te dá oportunidade de criar saúde enquanto dorme. É uma excelente estratégia.
Como ter saúde em um mundo onde o tempo é cada vez mais escasso?
Aí mora um problema que é o problema da métrica do sucesso. Nós nascemos com aquela percepção de que temos que ter 2 carros, uma casa na praia. Temos que chegar tarde, dizemos aos nossos filhos: “Ó, o papai chega tarde, o papai e a mamãe trabalham pra caramba”. Isso é sucesso. Até existe um certo status nisso. “Olha, eu não tenho tempo para nada. É ótimo falar isso, né? Nós temos que reinventar e ressignificar a métrica do sucesso, porque senão nós vamos estar sacrificando a nossa saúde em função disso. Nós temos que começar a mudar o nosso ambiente, essa é uma das coisas mais importantes. Por exemplo: ter vários livros, isso conspira com o que eu leia. Ao passo que ter uma geladeira só com coisinhas boas, vai conspirar para que eu só coma coisinhas boas. É óbvio que eu vou cair na tentação. Então, o ambiente ele é muito mais importante do que o hábito. Criar um ambiente propicia hábitos e se a gente não está atento a isso, a gente sempre vai ser derrotado pelo sistema. É a velha história do cara que trabalha, trabalha, trabalha e depois não tem tempo para desfrutar. Por isso que eu defendo que a pessoa merece informação para, no mínimo, uma reflexão. E aí depois é com ela.
Conteúdo publicado na edição 58 da revista Gente que Faz
Por Fernanda Mallmann| Fotos Divulgação