Diza Gonzaga e os 20 anos do Vida Urgente

A presidente da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga revela o misto de alegria e emoção que vive com a relação entre as datas de criação da instituição e a perda do filho, vítima de um acidente de trânsito: “Faço uma campanha para que não tenham mais Thiagos”

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Figura conhecida na luta pela vida, como ela mesma define, Diza Gonzaga transparece serenidade e firmeza em suas palavras, sem esquecer jamais da saudade que o filho Thiago de Moraes Gonzaga deixou. Com recém 18 anos completados, ele foi vítima de um acidente de trânsito em 1995, quando pegou uma carona com um amigo ao sair de uma festa no Bar Opinião, em Porto Alegre.

Em meio ao luto que vivia, a então arquiteta Diza não sabia bem o que faria, mas relembra: “Meu sentimento era de que tinha que fazer alguma coisa para que os outros pais não passassem por essa dor, e que outros jovens cheios de vida não perdessem a sua”. Com isso, focou suas energias planejando a abertura do projeto Vida Urgente, associado à Fundação Thiago de Moraes Gonzaga. Ela afirma que não sabe qual dos dois nasceu primeiro, pois logo que viu seu filho morto, em 20 de maio de 1995, ainda no asfalto, suas duas palavras eram exatamente essas: “vida urgente”.

Pesquisando, ela descobriu em uma publicação do antigo órgão do Ministério dos Transportes, chamado Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT), que a principal causa de mortes de jovens no Brasil, de 14 a 26 anos, era o trânsito. “Descobri que os jovens morriam nas madrugadas, nas voltas das festas, nos finais de semana e feriados. Ou seja, a morte do meu filho era anunciada. Ele era jovem, morreu a menos de 30km de casa, como dizia na publicação, em uma madrugada, na volta de uma festa, em um final de semana. As mães como eu, as pessoas comuns não sabiam. Não era divulgado, ninguém sabia”. Com drogas, outro fator de muita apreensão dos pais, ela não se preocupava. Thiago praticava esportes, vivia tranquilo. Já o trânsito, era apenas uma questão de sinalização. Não havia a associação do perigo iminente da combinação entre ingerir bebida alcoólica e dirigir um carro. Na época, não havia ainda nem a obrigação do uso do cinto de segurança, o que é impensável nos dias de hoje. De lei seca, atualmente em vigor, nem se falava também.

DSC_0680Exatamente um ano após a perda do filho, ao lado de jovens voluntários, ela iniciou, em Porto Alegre, a primeira ONG no Brasil a discutir a humanização do trânsito. Conta hoje com cerca de 25 mil voluntários espalhados por todo o país, que, segundo Diza, são a alma da Fundação. “Eu queria atingir o coração dos jovens, por isso, me cerquei de novos Thiagos, queria salvá-los através da educação”, fala com carinho. A campanha do Vida Urgente ficou conhecida pelas borboletas marcadas pelas ruas, um dos símbolos da Fundação também, com a intenção de prestar homenagem às vítimas de trânsito. A ação integra o projeto “Borboletas pela Vida”, que atinge diretamente os motoristas, caroneiros, ciclistas e pedestres. O objetivo é marcar os locais onde aconteceram acidentes com vítimas fatais e, com isso, chamar a atenção da sociedade para o cuidado com a vida de forma silenciosa e permanente. Ela relembra que há 20 anos, a equipe saía com as borboletinhas e bafômetros. Após o teste, no tempo em que não havia punição, era festejado quem tirasse o maior teor alcoólico. E aí foram usadas táticas para reverter isso. As falas mais disseminadas desde então são na linguagem dos jovens com as frases “amigo de verdade não deixa amigo dirigir depois de beber”, a famosa “se for dirigir, não beba”, “você não perde somente a timidez quando bebe, perde o reflexo e a percepção também”. A cultura mudou bastante nos últimos anos e o herói é o cara que zera no bafômetro. Claro que não é 100%, ainda tem gente que bebe e dirige, mas pela experiência de Diza não é mais algo a contar vantagem, já se tem a consciência.

Inicialmente, as ações da Fundação eram voltadas apenas para jovens, mas com o desenvolvimento, as atividades hoje envolvem pessoas de 0 a 80 anos, começando nos hospitais com treinamento para encaminhar aos pais o uso da cadeirinha e passando pelas crianças, adolescentes, adultos, pais e avós. Além disso, há grupos de apoio psicológico para famílias que perderam seus entes queridos no trânsito e homenagens com memoriais que são realizadas geralmente na Praça da Juventude Thiago Gonzaga como no dia 19 de novembro, Dia Mundial em Memória às Vítimas de Trânsito. Fundamental lembrar que as ações de sensibilizações da ONG não é focar apenas em datas como feriadões em que há mais movimento nas estradas, o trabalho tem que ser contínuo, ao longo de todo o ano, não apenas nessas ocasiões.

Para Diza Gonzaga, vivemos um clima de guerra no trânsito. A cada 25 segundos uma vida é perdida no trânsito. Atualmente, o Brasil é o quinto país com o maior número de vítimas no trânsito, atrás apenas de Índia, China, Estados Unidos e Rússia. No país, 78% dos acidentes com mortos e feridos têm alcoolemia positiva. Uma das maiores realizações da Fundação Thiago Gonzaga foi exatamente a Lei Seca, instituída em 2012 após dura batalha. O Rio Grande do Sul é o estado em que se inicia mais cedo a beber, porém tem, na Capital gaúcha, a cidade onde menos se faz a mistura entre álcool e direção, segundo dados do Ministério da Saúde. “É questão de trabalho. Há vinte anos, estamos firmes e fortes falando sobre isso aqui, que bebida e direção é dupla de morte”, confirma Diza. Uma grande vitória  que pode ser uma das respostas para isso foi a proibição de consumo de bebidas alcoólicas em postos de gasolinas, gerando a dissociação entre direção e bebida. Os jovens, que já nasceram sendo conscientizados, são os que são menos pegos nas operações de madrugada como, por exemplo, o Balada Segura. Os flagrantes são feitos, principalmente, em motoristas acima dos 35 anos. “Outro indicador que não nos deixa felizes, porque ainda morre gente, mas que vale a pena citar é que anteriormente eram 7 jovens que morriam a cada fim de semana na Grande Porto Alegre. Hoje, as mesmas pesquisas indicam que são 2”, conta Diza. Ela garante que só vai ficar satisfeita quando zerar. “Pode parecer utopia, mas se não for atrás disso, não chego onde quero”.

vidaSegundo Diza, “a vida merece uma grande festa”, e, por isso, para celebrar as conquistas após 20 anos de trabalho intenso, foi realizado, no dia 20 de maio deste ano, um evento no Bar Opinião, com bandas renomadas e amigas do Vida Urgente. Lá também tinha sido feito o lançamento da Fundação, um ano após a morte de Thiago. Em uma publicação nas redes sociais, Diza confessa que “quando começamos a planejar a festa, não imaginava que voltar lá, no lugar onde meu Thiago passou seus últimos momentos, traria tantos sentimentos e emoções.” Duas décadas depois, ela voltou ao local em um momento completamente diferente. Mesmo conseguindo alcançar um patamar de trabalho honesto e feito com dignidade, com o apoio do voluntariado, é, ao mesmo tempo, o dia em que completou 20 anos que o Thiago partiu. “O que mais me choca é que é mais tempo do que ele viveu. Os 18 anos que ele viveu parece que foram meus 60, a minha idade, toda a minha vida. E os 20 em que ele partiu, parece que foram 5 anos atrás. Não sei dimensionar esse tempo. O que ele viveu parece toda a minha vida, e o que ele se foi parece tão pouco, porque eu ainda tenho tanto do Thiago. Filho não morre, essa é a verdade.” Claro que perder alguém sempre é triste, faz muita falta, mas ela alega que filho é pior porque é a inversão da ordem natural: “A gente não supera, tem que aprender a conviver”.

Aproveitando a noite de festa, a organização do Vida Urgente produziu o emocionante vídeo “Carona de Pai”, ganhador de prêmios como o Colunistas 2016. O Vida Urgente fez a ação especial para garantir a segurança na volta da festa. Assista ao vídeo e descubra a surpresa que esses jovens presentes no evento tiveram. Está disponível no canal do YouTube da Fundação e também será veiculado na mídia gaúcha. Outra novidade foi a presença da Diza Gonzaga na festa de fim de ano da Rede Globo. Ao lado de Cristina Ranzolin, a dupla representou o Rio Grande do Sul e a RBS TV na gravação da vinheta de Réveillon, que vai ao ar a partir de 27/11, levando um pouquinho do nosso Estado e da mensagem de valorizar e celebrar a vida sempre.

Com a sua família formada por mais 5 filhos, 3 adotados e 2 biológicos, ao lado do marido Regis Gonzaga, Diza abandonou a profissão na arquitetura e dedica seu tempo integral hoje para a ONG. Foi muito sofrido para toda a família. Os irmãos não entendiam como o Thiago não poderia mais estar ali brincando, rindo, divertindo-se com eles. Se o trabalho voluntário a ajudou superar o luto? “Essa ajuda eu só venho sentindo na medida em que estou em colégios, falando para centenas de jovens, em uma universidade, nos projetos das madrugadas, vendo muitos Thiagos ali pelo meio. E eu penso que, se eu tivesse alguém fazendo o que eu estou fazendo, talvez o Thiago não tivesse embarcado naquela carona furada, sem volta. E isso me conforta, de certa maneira, que a morte dele não foi em vão, sabe? Que alguma coisa bonita está sendo feita”, define. Além disso, Diza afirma: “O Vida Urgente é alegre, pra cima. Dificilmente vão me ver triste”.

O curioso é que, perguntada sobre seus planos para o futuro, ela diz com todas as letras: “Eu trabalho para fechar a Fundação”. Não que ela não goste do seu trabalho, ela é apaixonada pela causa, mas seu objetivo com isso é para que não existam novos Thiagos. Que não tenham mais vidas perdidas pelas estradas do país por causa da mistura incoerente entre álcool e direção. Para que mais nenhuma família chore por acidentes que poderiam ser evitados. Para que haja respeito e educação no trânsito. Que novos Thiagos possam viver plenamente a sua vida até a hora que realmente seja a sua. É o que todos desejamos, Diza!

Por Brunna Weissheimer

Matéria publicada na edição 32 da revista  http://gentequefaz.com/



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