Carol Teixeira: “O problema do mundo ocidental é que todos racionalizam demais.”
Publicado em 20 de outubro de 2016Filósofa, DJ, vocalista e baixista da banda Brollies & Apples, colunista da revista VIP, Carol Teixeira, que nasceu no Rio, cresceu em Porto Alegre e encontrou em São Paulo seu lugar ideal no mundo, está lançando “Bitch”, seu terceiro livro, pela editora Record – os outros foram “De Abismos e Vertigens” (Ed. Sulina) e “Verdades & Mentiras” (ed. L&PM). “Bitch” narra o entrelaçamento das histórias de Princess, uma artista plástica de 26 anos que se relaciona com o mundo através da exploração do prazer, (intrinsecamente artístico e sexual), e de C., uma escritora também sem inibições, que precisa se isolar para escrever seu novo livro. Na narrativa, o sexo é visto como uma via de poder da mulher.
“Meus outros livros eram de crônicas e contos, esse é um romance. O processo criativo foi completamente diferente, assim como a magnitude que ele adquiriu na minha vida. Fiquei o ano passado inteiro convivendo com esses personagens, acordava e ia dormir pensando neles”, confessa a escritora, que mantém o blog aobscenasenhoritac.com.br (título inspirado no livro “A Obscena Senhora D”, de Hilda Hilst, uma das paixões de Carol), para falar com as mulheres. “Nele escrevo sobre sexo e sobre amor, assuntos que nunca considerei menores. E sobre ser mulher. Porque acho que falta comunicação entre homens e mulheres. E porque acredito em um pós-feminismo afirmativo que ainda está por vir, uma era de menos discurso e mais ação.” E teoriza: “O problema do mundo ocidental é que todos racionalizam demais. Para ter prazer, em todos os sentidos, é preciso deixar de lado esse nosso aspecto apolíneo e se jogar mais no dionisíaco.” Inspire-se na dionisíaca Carol Teixeira lendo a entrevista a seguir.
Quando surgiu a ideia de escrever ‘Bitch’?
Já faz tempo que eu queria escrever um romance erótico, especialmente porque sentia falta de ver uma publicação do gênero que colocasse o poder sexual na mão da mulher. Levei um ano para escrever.
Quem é a personagem Princess? E quem é C.?
Ela é uma artista plástica jovem e linda, mas insatisfeita. Ela quer mais e mais, quer ser levada ao limite, quer bagunçar aquela vida perfeita, quer transcender os conceitos – mesmo que isso signifique estragar a vida dos outros ao seu redor. Ela é uma apocalíptica dentro dos integrados. A C. é meu alter ego, é uma versão mais over minha. Mas é tudo ficção, claro. Acho interessante brincar com essa coisa do alter ego numa obra de ficção.
E o que há de você em Princess?
Assim como ela, tive uma criação burguesa e tradicional, mas me tornei uma artista subversiva em certos aspectos. Sempre tive essa ânsia por “sujar” a perfeição, que é justamente o que ela vive no livro. E, como ela, também perdi meu pai, que morreu muito cedo, e levo na minha história a marca da ausência paterna – detalhe também importante no romance, já que todas as mulheres do livro têm isso em comum.
Ter crescido em uma família de mulheres influencia sua literatura e essa busca e relato de um universo bem feminino?
Influencia totalmente. Não planejei isso, mas centrar o livro numa família matriarcal como a minha acabou sendo um pouco uma homenagem para minha família. Minha mãe me ensinou na prática esse orgulho de ser mulher e o poder que essa condição traz.
Quando você começou a gostar de escrever e como eram seus primeiros escritos? Já falava em sexo, erotismo, envolviam esse universo?
Eu aprendi a ler e escrever precocemente, com 4 anos. Sempre fui uma artista, desenhava, tocava piano, dançava. Mas quanto mais eu fui conhecendo as palavras, mais fui me apaixonando por elas. Até hoje, o mundo das palavras é mágico para mim. Então escrevo desde sempre, tive blog muito cedo, com 22 anos já tinha escrito duas peças de teatro, com 24 publiquei um livro e assim foi tudo rolando. Não escrevia sobre sexo, mas tive um programa na rádio Atlântida sobre o assunto. E quando me formei em filosofia, minha monografia foi sobre a sexualidade como afirmação de vida. Depois comecei a escrever na revista VIP e esse tema tomou uma proporção maior na minha vida. Sou fascinada pelo erotismo, isso nunca foi tabu para mim.
Você usa sua própria imagem para vender seu peixe, sua imagem é forte, marcante. Já sofreu algum tipo de preconceito em relação a isso? A imagem, além das letras, é importante para você?
Vivemos num mundo de imagens, é inevitável. Não planejo isso tipo “vou usar minha imagem para impulsionar tal projeto”, mas acontece. Por que não usar? Acho que preconceito com isso é muito coisa do século passado. E estar de acordo com essa dicotomia – mulher bonita OU inteligente – seria algo muito machista.
Momento ‘prateleira’: você enquadra seu texto na categoria ‘literatura erótica’? Quais são seus autores favoritos nesse segmento – e quais suas outras leituras?
Sim, eu diria que é um romance erótico filosófico. Meus preferidos são Bataille, Anais Nin, Henry Miller e Hilda Hilst.
Fala-se muito em empoderamento da mulher. Você acredita que a mulher realmente adquiriu, expõe e pratica seu poder no dia a dia? O empoderamento passa pela sexualidade? E como chegar a esse empoderamento em um mundo ainda tão cheio de preconceitos, cobranças, encucações?
Acho uma época ótima para ser mulher. As mulheres estão cada vez se unindo e expondo mais suas ideias. Isso fica claro pelos movimentos nas redes sociais. Temos visto resultados disso, aos poucos tudo está mudando. Machismo virou algo cafona, não é mais algo aceito como foi em outros tempos. Acho que o empoderamento passa por todas as áreas, inclusive pela sexualidade. As mulheres não precisam abdicar do seu poder sexual para serem respeitadas.
E o que seria a ‘ditadura da putaria’ à qual você se refere?
Como temos visto um discurso hipersexualizado ultimamente, sinto que as pessoas andam se sentindo na obrigação de corresponder, na prática, a essa hipersexualização. Mas nem todo mundo quer, sexo é algo muito individual, não dá pra ter essa suposta padronização.
Há algo que ‘não pode’ no sexo?
Tendo o consentimento das partes tudo pode. É o território mais livre, ali é justamente onde precisamos da entrega e da ausência de limites.
Você cita Gilles Deleuze, o encontro do ponto de demência das pessoas, que seria o “pequeno grão de loucura” de cada um. Você já encontrou o pequeno grão de loucura de alguém?
Eu amo essa frase e vivo tentando encontrar o ponto de demência das pessoas. Adoro ver elas sem máscaras. Uma boa maneira de encontrar isso no outro é expondo o seu ponto de demência. Mas para isso, primeiro, é preciso descobrir o seu e isso requer entrega, entrega para si mesmo. O problema do mundo ocidental é que todos racionalizam demais. Para ter prazer, em todos os sentidos, é preciso deixar de lado esse nosso aspecto apolíneo e se jogar mais no dionisíaco.
Você fala que, com ‘Bitch’, você queria escrever algo que perturbasse. Acha que conseguiu?
Sim, essa era ideia. Não queria escrever um livro bonitinho, conto de fadas com final feliz, simplesmente porque esse não é o papel da arte. A arte não serve para confortar, ela tem que te deslocar da tua zona de conforto. Como diz Artaud, ela deve fazer gritar. Essa ideia é bem presente no livro. A arte da Princess tem esse efeito.
Você nasceu no Rio, cresceu em Porto Alegre e mora em São Paulo. O que há dessas três cidades na Carol Teixeira?
Do Rio não tenho nada, acho tropical demais pra mim (risos). De Porto Alegre tenho minhas raízes e boas lembranças. Mas São Paulo é minha atual paixão, é uma cidade que reverbera na mesma frequência que eu, me desafia, me instiga.
Hoje você é escritora, colunista de revista… que mais você faz? Tem banda! E em que medida você se realiza com estas atividades diferentes?
É tudo arte. E tudo que faço tem uma coerência estética. Realizo-me explorando todas as possibilidades artísticas para expressar minhas ideias.
Falando em banda, em música: qual seria uma boa trilha musical para uma boa noite de sexo?
Publicado na edição 29 da revista Gente que Faz
Por Andrea Lopes
Fotos Divulgação