Dr. Emilio Moriguchi fala de longevidade na família e no trabalho

 

PhD em Medicina, doutor Emilio Moriguchi é uma referência em longevidade. São 40 anos dedicados à profissão, sendo 30 deles debruçados sobre a pesquisa em geriatria, com especializações na Universidade de Tokai, no Japão, e na Wake Forest University School of Medicine, nos Estados Unidos. Atualmente concilia a rotina no consultório, no atendimento hospitalar e é professor na UFRGS – no Departamento de Medicina Interna e no Programa de Pós-Graduação em Medicina: Cardiologia e Ciências Cardiovasculares. Também é coordenador-geral do Projeto Veranópolis de Longevidade e Qualidade de Vida, que existe desde 1994, quando a cidade gaúcha foi apontada pelo IBGE como a mais longeva do país

 

Aos 64 anos, Dr. Moriguchi tem na família seu principal modelo de longevidade. Em janeiro, os pais completaram 65 anos de casados: o pai aos 96 e, a mãe, aos 94. É filho do Dr. Yukio Moriguchi, considerado o “pai da geriatria no Brasil”. Foi ele o responsável por implantar a primeira disciplina de Geriatria em uma faculdade de medicina na América Latina, ao criar um instituto na PUCRS, em 1973. Entre tantas outras credenciais, uma das mais nobres foi ter sido um dos conselheiros do Papa para assuntos de saúde.

 

Na entrevista a seguir, Dr. Emilio fala sobre os impactos da pandemia, novos estudos na sua área de pesquisa, envelhecimento físico e mental.

> Como está sendo o impacto da pandemia na longevidade?

Para essa análise, primeiro precisamos conceituar longevidade. É uma vida longa, saudável, com autonomia e qualidade. Prolongar a vida com sofrimento não é longevidade. O Covid-19 ceifou a vida de muitos idosos, principalmente no seu começo. E agora, na Inglaterra, temos essa última cepa, delta ômicron, que é uma subvariação da ômicron. Está provocando a morte de pessoas acima de 70 anos e mesmo vacinadas. Geralmente, de um ano para outro a expectativa de vida vai aumentando – algo que vinha acontecendo desde o pós-guerras. Mas os dados mostram que, durante esse período de pandemia, nós já perdemos no Brasil aproximadamente 4,4 anos na expectativa de vida. Isso é muito, porque, para aumentar em quatro anos, demora uns dez.

> Além disso, há o impacto pós-doença, na qualidade de vida daqueles que sobrevivem.

Falamos em covid crônico ou síndrome pós-covid, que são vários sintomas incapacitantes que persistem, principalmente para os idosos. Mesmo curados, ficam com sequelas pulmonares, neurológicas, musculares – cansados, não conseguem mais fazer o que faziam antes, têm dores ou falta de ar. E o pior é o covid neurológico, que são relatos de depressão e alucinações. Recebo muitos pacientes, no consultório e no ambulatório, com um quadro muito triste. Eles vêm e pedem: “Doutor, faça alguma coisa, porque continuar vivendo está sendo um castigo”. Essa não é a longevidade que queremos. A pandemia ceifou a vida de muitos idosos, diminuiu a expectativa média de vida e, para aqueles que sobreviveram, diminuiu a qualidade de vida. Ou seja, para nós, geriatras, é uma catástrofe. Nossa missão é tentar minimizar o estrago.

> Como minimizar?

Temos que evitar que as pessoas peguem a virose, porque depois que pegam é complicado. Mesmo com a terceira dose da vacina, vemos idosos que chegam na emergência infectados por Covid mais de uma vez. Teoricamente deveriam ter uma imunidade maior. Mas precisam tomar agora a quarta dose da vacina e seguir mantendo os cuidados, como a ventilação de ambientes, uso de álcool gel e uso de máscara em ambientes fechados.

> E também os cuidados com a saúde mental.

Isso sempre e acima de tudo, independentemente da pandemia. Infelizmente ela piorou esse aspecto em função do isolamento social. É preciso que sejam proporcionados encontros seguros, para que os idosos tenham alguém para conversar e não se sintam sozinhos. Porque a pior coisa é a solidão. A solidão mata. No caso do Covid a gente faz o que pode para minimizar os sintomas e, concomitantemente, entramos com os grupos da terapia ocupacional e da psicologia. Trabalhamos com a motivação para atividades que não deixem a mente parada. Nesse momento, precisamos criar oportunidades de interação e também para que se sintam úteis. Isso tem sido fundamental para manter a saúde mental dos idosos.

> Analisando a longevidade, de modo geral, o que é o mais importante?
O fator ambiental. Existe um componente genético, mas o mais importante é como a gente vive, onde e com quem. Um estilo de vida saudável, com alimentação equilibrada e atividade física; com tempo de repouso adequado e lazer; com saúde social, que é a interação com pessoas. Isso é o clássico.

> Para que caminho as novas pesquisas apontam?

O que mais temos pesquisado é a relação com as pessoas. Inclusive participamos de um projeto mundial, de um consórcio da pediatria chamado Quatro Gerações. Comprovou a hipótese de que famílias com quatro ou mais gerações, que moram juntas, são mais longevas. Não é só uma questão de interação, mas também biológica. Há décadas já se sabia que os telômeros, que são uma parte dos cromossomos, determinam o tempo de vida das células. No caso das famílias pesquisadas, o estudo mostrou que naquelas com interações saudáveis os idosos tinham um encurtamento mais lento dos telômeros, o que aumentava o tempo de vida. Isso se confirmou inclusive aqui no Brasil. Nós participamos do estudo com famílias de Veranópolis.

> Antes o senhor comentou sobre o repouso. O que os novos estudos dizem sobre isso?

O tempo de sono é importante, mas, sobretudo, a qualidade desse descanso. E hoje em dia não se fala somente em sono, precisamos tempo de repouso e lazer. O tempo ocioso, ou seja, aquele no qual não estamos trabalhando, em que usamos? Para dormir e fazer aquilo que chamamos de lazer – o que tecnicamente é fazer aquilo que se gosta. Então o tempo de descanso seria a soma das horas de repouso e lazer e não só o tempo no qual estamos dormindo.


FAMILIAS COM QUATRO OU MAIS GERAÇÕES, QUE MORAM JUNTAS, SÃO MAIS LONGEVAS. NÃO É SÓ UMA QUESTÃO DE INTERAÇÃO, MAS TAMBÉM BIOLÓGICA. 


 

> Com relação à dieta, podemos citar alimentos imprescindíveis no dia a dia?

Sou médico há 40 anos e há pelo menos 30 faço pesquisas nessa área. Já vi muita coisa, e o que sei é que a longevidade é um conjunto de uma série de fatores. Não existe fórmula mágica. Não existe um alimento ou suplemento que vá melhorar a expectativa de vida. Para doenças específicas, sim. Mas não para a longevidade e qualidade de vida.

> A partir de que momento devemos planejar a velhice?

Tudo começa na educação da criança. Sabemos que nosso caráter vai sendo moldado por volta dos 9, 10 anos de idade e que, depois da infância, é difícil mudá-lo. Talvez esse seja o momento mais importante de educar as crianças para a vida, em termos de estilo de vida saudável, com a prática de atividade física e interação social. Mostrar a importância de valores circulares: tolerância, bondade, gratidão, perdão. Eles têm um impacto na espiritualidade, na longevidade e são adquiridos ao longo da vida. A psicóloga canadense Susan Pinker,  no livro The Village Effect, comprova isso. Trata da vida em comunidades, mostrando que – sendo modelos – os idosos ensinam as crianças a desenvolverem valores. Isso tem mais impacto do que uma pessoa, aos 40 anos, resolver procurar um geriatra. Claro que sempre se pode mudar o estilo de vida. Mas nessa idade muitas doenças já começaram. Então, para sermos longevos saudáveis e felizes, é fundamental que a gente tenha tido a oportunidade de ter uma família com idosos que nos passaram valores na infância.

> Foi o seu caso?

Graças a Deus tenho boas lembranças do meu avô, que era médico e atendia colônias japonesas aqui no Brasil. Eu aprendi com ele esse espírito de ajudar ao próximo e de ser bondoso. Nos finais de semana, quando ele fazia atividades comunitárias com populações carentes, me levava junto. Fazia doações e lembro que, muitas vezes, quando as pessoas não tinham dinheiro para comprar remédio, ele acabava ajudando. Olhando o projeto Quatro Gerações e as publicações atuais, vemos claramente a influência dos idosos na educação das crianças e essa relação com a longevidade da comunidade.

> Fale sobre a diferença entre o envelhecimento físico e o mental.

O físico inevitavelmente tem um pico ao redor dos 30 anos, e depois vai enfrentando um declínio funcional. Agora, a parte mental é diferente. A sabedoria, que é a inteligência emocional, vai se enriquecendo com o tempo e a experiência. Meu pai, de 96 anos, certamente tem uma inteligência emocional muito melhor do que a minha, que tenho 64 anos. Às vezes ainda pergunto para ele quando fico em dúvida sobre alguma questão de um paciente. E pode ter certeza: ele terá uma resposta que eu nunca imaginaria e depois verei que estava certo. Espero, na idade dele, ter um desempenho mental melhor do que tenho hoje.

> Uma pena esse potencial não ser aproveitado, considerando a idade de aposentadoria no país.

Se realmente queremos um mundo melhor, no qual seja aproveitada a sabedoria das pessoas, temos que pensar diferente. No Japão, por exemplo, a aposentadoria se dá por volta dos 60 ou 65 anos, dependendo do ramo de atividade. Mas o país criou um sistema muito interessante. Os governos convidam os pós-aposentados para empregos remunerados na área de expertise deles. Meu sogro, que continua no Japão, era auditor da maior empresa de seguros de lá. Depois que se aposentou foi contratado, como consultor, para trabalhar na prefeitura do município onde mora. Hoje, com mais de 80 anos, continua ativo e ganhando dinheiro. O Japão tem esse sistema de aproveitar a sabedoria das pessoas, principalmente em serviços públicos. Infelizmente é algo que não acontece aqui.

 > O que falta para que o Brasil avance em termos de longevidade?

Falta o principal, que é a consciência. Falta o poder público se conscientizar que o envelhecimento é um processo relevante para o indivíduo e para a sociedade. Sem isso, nada começa.

Conteúdo publicado na edição 53 da revista Gente que Faz. Texto de Josiane Rotta e imagens divulgação.



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