Para Gotto arte é poesia
Publicado em 18 de maio de 2023Se há uma pedra no meio do caminho, para Gotto é arte, é poesia!
Numa tarde linda de domingo, fomos visitar Mauri Menegotto – grande na sua arte, imenso como ser humano que é – em sua casa, com o seu atelier e sua história presenteando-nos vida
É com o resultado de erupções vulcânicas cuja mais recente data de 60 milhões de anos, o basalto, que o artista Gotto – Mauri Valdir Menegotto – se comunica. A mesma pedra que os imigrantes italianos que chegaram à Serra utilizaram para fazer suas primeiras moradias, no final do século 19.
Ele e Cris, sua adorável esposa, receberam com uma doçura e humildade que explicam a paixão de Gotto por dar à pedra, arte. Não é por dinheiro ou fama que ele passa horas incontáveis e ininterruptas batendo martelo, serrando e lixando incessantemente com a esmerilhadeira, para dar à pedra a forma que sonhou, que deseja, quando com muito menos esforço poderia desenhar ou pintar uma tela. E temos que considerar que o basalto é um tipo de pedra mais difícil de trabalhar do que o granito ou o mármore, é uma pedra dura e nem todo artista consegue. O mármore, por exemplo, é uma pedra bem mais leve. A pedra dura já exige técnicas diferentes, ferramentas diferentes e também mais experiência.
É a paixão pelas pedras que explica a razão de Mauri Menegotto, 57, ter deixado um emprego estável em Farroupilha para viver das artes plásticas. O escultor bento-gonçalvense, que gosta de fazer incursões atrás de matéria-prima para suas esculturas, foi o único brasileiro selecionado para o recente simpósio internacional de Escultores, que ocorreu no Hotel Dall’Onder, após quatro edições atuando como auxiliar de escultores estrangeiros.
“O basalto tem a peculiaridade de oferecer uma grande diversidade de cores numa distância bastante curta, e por isso é fascinante. A pedra convida o escultor a resolver a sua escultura conforme a sua cor. Aqui em Bento podemos encontrar a pedra preta, a pedra vermelha, a pedra cinza ou a multicolorida. Para nós que somos da região, é uma pedra bairrista!” – diverte-se Gotto, que trabalhou por 17 anos com o também artista João Bez Batti.
As esculturas que o público pode ver surgir durante o simpósio foram transportadas para o Parque Domadores de Pedra, museu a céu aberto instalado num dos lotes dos Caminhos de Pedra.
Mas voltemos ao Gotto. É muito interessante o fato de haver pedreiras de basalto tão próximas na localidade . Em 10 minutos o artista vai lá e escolhe a pedra em que vai trabalhar, e se der algum problema pode ir lá e escolher outra. Isso é algo incomum. Normalmente o artista envia o projeto, a pedra é encomendada pela organização do evento, e pode viajar mais de 300 quilômetros até o local onde ele vai trabalhar. E normalmente o escultor ainda precisa adaptar o projeto à pedra que recebe. O nosso artista busca a poesia desde a concepção de seu trabalho, quando se diverte brincando de caçar pedras. “A maioria das minhas pedras, eu acho elas vivas”, afirma com um toque de timidez, o Mauri Menegotto que nasceu e vive, até hoje, neste reduto abundante de basalto, no bairro Vila Nova. A sua acessibilidade faz com que frequentemente amigos e clientes lhe tragam pedras que encontraram e que acreditam que podem desabrochar em lindas obras de Gotto.
O conhecimento de Mauri Menegotto sobre o basalto e suas múltiplas utilidades busca a impressão de traços artísticos expressivos e de personalidade. Suas obras trabalham estampas, cores, manchas, riscos, linhas e pontos. Muito em breve ele terá todo seu ciclo criativo de 15 anos contado em livro. Estarão detalhadas as diferentes fases de Gotto, todas tendo em comum a gratidão à vida e um respeito ao movimento e ao conhecimento. Estarão incluídos torsos, formas escultóricas, guardiões, cabeças – com faixas marrom alusivas à justiça e com faixas nos olhos (ele nos lembra que sempre devemos olhar as pessoas sem pré-julgamentos) e com gavetas (o que nos difere um do outro são nossos conhecimentos adquiridos ao longo da vida, nossa personalidade), corujas e peixes. Quando menciona os peixes, Gotto lembra que desde sempre lhe encantou a rapidez e a agilidade destes seres aquáticos, quando aos treze anos, já trabalhando em uma fábrica de garrafões em Bento, tinha um fascínio todo especial pelos peixes de vidro, que também lá eram produzidos. “Sinto a presença de Deus nestas manifestações de vida, assim como no meu mais recente ciclo, que apresenta as sementes. É na semente que reside a concepção da vida”, encerra.
“A maioria das minhas pedras, eu acho elas vivas.”
Mauri Menegotto
A arte varre a superficialidade e, especificamente, a escultura se confunde e se mescla com a própria história da arte. Mais antiga do que muitos imaginam, ela surgiu no período Paleolítico, também conhecido como Idade da Pedra Lascada. Quem vê o trabalho de Gotto respeita e reconhece uma tradição milenar de arte e sentido. Pelas suas mãos, a pedra bruta adquire expressão e nos desafia na reflexão do que somos e no que podemos ser.
Conteúdo publicado na edição 56 da revista Gente que Faz. Fotos Divulgação