Roque Lopes: uma vida voltada para luta contra o alcoolismo

O ano é 1981. A família celebra a virada de ano na praia de Arroio Teixeira. Ao acordar, o homem se dá conta de que foram eliminadas todas as garrafas com bebida alcoólica existentes na residência. O sujeito não se dá por vencido, pois sabe que, em algum lugar do depósito, próximo à churrasqueira, esconde-se uma garrafa de cachaça que ele mesmo deixara ali para eventuais necessidades. Ao encontrá-la, o homem – pai de três filhos e alcoólatra desde a adolescência – entorna-a tão sofregamente como se aqueles fossem os últimos goles de sua vida. E talvez fossem mesmo, como veremos mais tarde. Ocorre que, lá pelas tantas, o indivíduo percebe que uma barata morta jaz dentro do recipiente. Ele não se importa. Segue bebendo até que a inseto moribundo praticamente lhe beije o nariz. O prazer de ingerir este tipo de bebida se sobrepôs ao asco que qualquer pessoa sentiria.

O que parece história de cinema, como se fosse roteiro de um daqueles filmes do diretor Billy Wilder, na década de 40, aconteceu de verdade. O homem em questão é o empresário e advogado lajeadense Roque Braga Lopes, de 68 anos. A situação descrita acima foi caracterizada por ele próprio como o fundo do poço para um sujeito que se reconhecia, depois de quase 30 anos entregue à bebida, como um alcoólatra. Foi depois desse inusitado episódio que Roque procurou ajuda dos Alcoólicos Anônimos (AA) na Clínica Pinel, em Porto Alegre, onde iniciou longo tratamento para se livrar do vício. Algo que conseguiu com muito sacrifício e apoio da família – sempre fundamental em circunstâncias desse tipo.

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O empresário tem convicção de que, se não tivesse tomado essa atitude, não estaria vivo para contar a história. “Até mesmo porque, além de alcoolista, eu era fumante. Após ter conseguido me livrar da bebida, passou-se mais um ano para que a batalha contra o tabaco fosse vencida”, afirma. Roque bebia desde os nove anos de idade. Na infância, trocava balas e chocolates que ganhava nos ninhos de Páscoa por pequenas garrafinhas de licor que, de maneira inexplicável, faziam parte do presente das crianças em outras épocas. “Bebia porque achava bonito. Era interessante ver como os caras mais velhos, de vinte e poucos anos de idade, estavam sempre com o copo na mão. Eu já fazia isso desde a adolescência”, lembra, mencionando – sem se eximir de sua culpa por conta disso – o fato de que a mídia também tem seu papel nesse mercado que, para Roque é, sem sombra de dúvidas, o primeiro caminho para “drogas mais pesadas”.

“Está todo mundo preocupado com a cocaína e o crack, mas poucos se dão conta de que a bebida destrói e mata milhares de famílias ano após ano”, observa. Roque lembra que, em sua época de viciado, até tentou parar, mas sem sucesso. “Cheguei a ficar quase um mês sem colocar uma gota de álcool na boca. Mas aí chegava certo fim de semana, alguma festa, e eu pensava ‘bom, eu resisti até agora, não custa nada dar um golinho’”, numa espécie de comportamento reincidente que, muitas vezes, é o momento mais perturbador para quem está nessa situação. Nessas horas, o papel da família também é fundamental.

Roque utiliza uma metáfora para explicar como a educação e até mesmo a relação pai e filho podem ser diferenciais desde cedo. “É como um mata-mata no futebol. Sabemos que no jogo da casa temos que fazer o placar mais elástico possível, já que, ao chegar à Bombonera – temido estádio do clube argentino Boca Juniors -, será difícil resistir à pressão”, afirma. No jogo de palavras do ex-alcoólatra, a casa em questão é realmente a “nossa casa”, onde teremos que nos dedicar aos nossos filhos da melhor maneira possível, orientando, aconselhando, explicando. A Bombonera para ele é a rua, a festa, os amigos, as influências. Aliás, a experiência frustrada no futebol também serve para mostrar como o álcool devastou a vida do empresário. “Tive de abandonar uma promissora carreira de atleta prematuramente. Com 24, 25 anos, sempre dava um jeito de escapar da concentração para beber”, recorda.

Livre do álcool há 31 anos, o advogado – ou ex-advogado, já que a bebida também prejudicou a sua carreira de bacharel, obrigando-o a abandoná-la – afirma que um dos segredos para a sua cura foi a capacidade de admitir a impotência perante o álcool – o primeiro dos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos (veja box). Ao voltar de seu tratamento em Porto Alegre, Roque refez sua vida, incentivando outro amigo – o falecido advogado Taylor Chaves – a também fazer o tratamento. “Em pouco tempo, mais de 300 pessoas da região voltaram recuperadas, passando a ser bem-vistas pela comunidade, inclusive como exemplos de força de vontade”.

Este fato motivou-o, ao lado de Taylor, a fundar o Centro Terapêutico de Tratamento do Alcoolismo (Central), há 25 anos. Roque orgulha-se – e até se emociona – ao falar do espaço, localizado no Bairro Carneiros, em Lajeado, e que havia sido fechado há pouco tempo por conta de supostas irregularidades envolvendo a especialização dos profissionais, as formas de tratamento e a estrutura do local. “Durante todos esses anos, foram atendidos mais de 17.900 pacientes, de 400 municípios, oriundos de 18 estados da federação”. Recentemente, o espaço foi reaberto, mas sem Roque no comando, o que, definitivamente, não apaga a importância de um homem que soube reconhecer as suas fraquezas, tornando-se hoje exemplo para todos os que lutam contra essa doença crônica, progressiva e de difícil cura.

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Os doze passos dos Alcoólicos Anônimos (AA)

  1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
  2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.
  3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de um Poder Superior, na forma em que O concebíamos.
  4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
  5. Admitimos perante o Poder Superior, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
  6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
  7. Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
  8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
  9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.
  10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
  11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.
  12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.


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