Ricardo Breier: “a sociedade tem que usar o voto como mudança, não como protesto”

Em meio ao turbulento e incerto cenário político-econômico do Brasil, presidente da OAB/RS pretende ajudar na conscientização do voto para as eleições de 2018 e avalia que o judiciário ainda é o responsável por sustentar a nossa democracia

 

O assunto dos brasileiros nas rodas de conversa com amigos, colegas e familiares tem mudado há pelo menos quatro anos, quando, em 2013, movimentos populares tomaram conta das grandes capitais brasileiras e, em especial, do Congresso Nacional. Futebol, novelas, filmes, temas mais leves e agradáveis de se compartilhar em momentos de relaxamento foram trocados pelo cenário político e econômico que  o Brasil atravessa. Uma mudança justificável, afinal, se as engrenagens do poder trabalham com dificuldades, aqueles capazes de retomar o bom curso delas – ou seja, a população –  acabam por ser convocados. Em meio à descrença com a classe política, vimos uma presidente ser deposta, outro ser acusado por diversos crimes e um pleito municipal no ano passado, com mais abstenções e votos nulos e brancos do que esperança em projetos eleitorais.

Faltando pouco mais de um ano para as eleições estaduais e federais, a Ordem dos Advogados do Brasil, em sua seccional do Rio Grande do Sul, capitaneada pelo seu presidente, Ricardo Breier, prepara duas campanhas a fim de promover o diálogo e a conscientização na hora do voto. Serão cerca de 144 milhões de pessoas habilitadas a comparecer às urnas em outubro de 2018, com o objetivo de escolher seus comandantes para mais quatro anos de mandato. “A OAB quer levar a informação às entidades, associações e federações para que a sociedade possa identificar qual a boa política. Na Itália, por exemplo, houve a Operação Mãos Limpas, que tirou o parlamento inteiro, composto por alguns líderes da máfia, e ela surgiu a partir de campanhas de conscientização”, relata Breier.

As ações giram em torno de fazer o eleitor participar do pleito antes da eleição, buscando informações sobre os concorrentes e pensar antes de dirigir-se à urna eletrônica e confirmar seu voto. Gerar um senso crítico e de percepção acerca do candidato escolhido, a fim de votar não apenas por predileção de uma bandeira ou partido, mas pela moralidade, tão em falta na desacreditada classe política brasileira. A ação “Brasil, liberta-te” e os rumos do cenário político-econômico do país fizeram parte do bate papo, realizado na sede da entidade, no centro de Porto Alegre.

Brasil, liberta-te

“Se cair o judiciário, abre-se espaço para o populismo e a tirania”, afirma Ricardo.

O nome forte da campanha em curso da OAB vai muito além do que está escrito no artigo primeiro da Constituição Federal de 1988, cujos dizeres apontam: “todo o poder emana do povo”. A escolha do nome “Brasil, liberta-te” traz elementos antropológicos e sociológicos da sociedade brasileira que, segundo Ricardo Breier, permanecem no inconsciente da população. “Temos 517 anos desde o descobrimento. Destes, 388 são de escravidão, pois mesmo depois da Proclamação da República, ficamos mais 60 anos até a abolição. Foram mais 21 anos de ditadura. Ou seja, são mais de 400 anos sem poder se expressar, de ser submisso e sempre ter alguém para nos orientar”, aponta. Além da questão histórica, Breier relembra que, mesmo em momentos nos quais] a democracia imperou no Brasil, ela foi questionada. “Os governos democráticos sempre tiveram instabilidade, por conta própria ou por ataques corriqueiros. Nunca, na história do Brasil, houve estabilidade política”.

As mazelas de tanto tempo de submissão deixaram marcas em várias gerações de brasileiros, conforme o presidente da OAB. A falta de líderes oposicionistas aos regimes extremos teria criado um clima de passividade, de aceitação da população a tudo que os comandantes da época diziam e faziam, mesmo se não fosse favorável à população. “O Brasil segue escravizado, não mais fisicamente, como na época do colonialismo, mas agora na época do patrimonialismo, quando o público se mistura com o privado em vários setores e não conseguimos sair desse ciclo vicioso, pois elegemos os mesmos ou seus seguidores. Queremos mostrar que ainda há a escravidão no inconsciente da população, de depender do Estado para tudo, como um assistencialista. A inércia popular, sem dúvida nenhuma, para mim, representa o espírito escravizado do brasileiro”, afirma Breier.

Levando em conta o cenário de instabilidade política da atualidade, Ricardo Breier vê uma desmobilização de setores da população após o impeachment de Dilma Rousseff, concretizado em agosto de 2016. Um ano após a mudança no executivo federal, as irregularidades e acusações de corrupção se mantiveram, mas sem a cobrança maciça de outrora. “Tivemos o impeachment da Dilma e depois as notícias via imprensa dos casos de corrupção, com uma indignação muito grande em relação ao que foi feito na Petrobrás e apurado na Lava Jato. Houve dois movimentos importantes: a população indo às ruas pedindo a saída da presidente, e, depois, com a saída dela, permanecemos com os problemas políticos e a sociedade se desmobilizou. Foi aí que nasceu a ideia de entender porque o senso crítico é tão pouco diante de tantas situações que põe em risco a democracia e a economia”, relata Breier.

 

O judiciário como pilar de sustentação da democracia

“Nenhuma dessas reformas adiantará se não fizermos a reforma política. E esse é um tema no qual ninguém, do legislativo, quer tocar.”

A união dos três poderes – executivo, legislativo e judiciário – é considerada a fortaleza do estado democrático de direito. Neles, apoiam-se direitos e deveres do poder e da sociedade, numa espécie de convenção cujo objetivo é seguir princípios básicos a fim de oportunizar uma a convivência justa e igualitária da população. Todavia, quando observamos instabilidades em um dos poderes, naturalmente há sobrecarga naqueles que se mantêm firmes. “No Brasil, o executivo está ruído. O legislativo, da mesma forma. O judiciário é quem se mantém em pé, ainda sob ataque. Se cair o judiciário, abre-se um espaço para o populismo e a tirania. Vivemos um alto risco, na nossa democracia,  se não buscarmos o equilíbrio institucional entre todos os poderes”, avalia Ricardo Breier.

Na visão da liderança da Ordem no Estado, momentos de incerteza e a abertura de espaços a discursos extremistas são perigosos para a saúde de uma democracia jovem como a brasileira. Conectando-se ao tema de uma população com traços ainda do tempo escravocrata, Breier traça um paralelo com outras grandes potências mundiais que estiveram em momentos de fragilidade em seus regimes. “A política, no Brasil, está com o espaço aberto para arbitrariedades, como na Alemanha nazista quando Hitler assume o poder num momento muito frágil com crises econômicas pós Primeira Guerra Mundial. O discurso do ódio não pode imperar. Podemos deixar de ser uma democracia sim, a partir do momento que houver descrença no judiciário e a insegurança jurídica. O judiciário é o grande sustentáculo da nossa democracia”.

O foro privilegiado e as reformas no centro das discussões

“Um dos temas abordados na campanha “Brasil, liberta-te” é a forma com o qual o brasileiro trata a esperança e os direitos adquiridos como artigo de última necessidade.”

Um dos temas abordados na campanha “Brasil, liberta-te” é a forma com a qual o brasileiro trata a esperança e os direitos adquiridos como artigo de última necessidade. Após a mudança de liderança no executivo, com o ingresso de Michel Temer, duas reformas devem mexer na vida de milhões de brasileiros e causam temor, em especial na classe trabalhadora. Sancionada recentemente, a reforma trabalhista trouxe a maior série de mudanças desde a criação por Getúlio Vargas, na década de 40. A promessa da atual equipe governista é oportunizar o acesso ao emprego de forma mais simplificada aos quase 14 milhões de brasileiros que lutam para retornar ao mercado de trabalho. Entidades sindicais ligadas aos trabalhadores alegam que se trata de supressão de direitos e precarização do trabalho.

“A política que temos hoje comprometeu pelo menos quatro ou cinco gerações”

Da mesma forma, toca-se a reforma da previdência, a qual o governo diz cobrir um rombo. Para tentar estancar a sangria, haverá mudanças nas regras de aposentadoria e concessão de benefícios, como o aumento da idade mínima e do tempo de contribuição para todos que são abrangidos pela previdência social. Para Ricardo Breier, o papel da OAB é garantir a constitucionalidade das propostas e abrir o debate para toda a sociedade. “Em 1988, quando a Constituição foi promulgada, vínhamos de uma época sem direito algum após a ditadura. Em relação à reforma previdenciária, alguma coisa precisa mudar, pois do jeito que está não vai se sustentar. É inadmissível alguém se aposentar com 50 anos e ficar 20 ou 30 anos recebendo aposentadoria quando ainda pode produzir”, avalia. “Na questão trabalhista, em virtude das inúmeras condenações da Justiça do Trabalho frente aos empresários ao logo dos anos, foi levantada a discussão, pois eles se queixam que não aguentam tantos direitos dos trabalhadores. Só saberemos se estamos fazendo certo ou errado com o tempo”, observa Breier.

“A descrença e o desânimo da população brasileira com os candidatos aos cargos municipais ficaram claros em levantamento feito pelo Tribunal Superior Eleitoral. Das 27 capitais, em 22 o número de abstenções, votos brancos e nulos superaram a votação do primeiro colocado na corrida pela prefeitura no primeiro turno.”

 

O presidente da OAB observa outras necessidades emergenciais, que deveriam ter acontecido antes mesmo das reformas em andamento. “Nenhuma dessas reformas adiantará se não fizermos a reforma política. E esse é um tema no qual ninguém, do legislativo, quer tocar”. Reduzir o número de partidos e aplicar regras mais rígidas ao financiamento de campanhas, na avaliação de Ricardo Breier, deveriam ser a prioridade. A Ordem dos Advogados do Brasil, em âmbito nacional, também se debruça no fim do foro privilegiado – ou a restrição do seu uso por parte das autoridades públicas. Um projeto enviado ao Congresso pede que os políticos percam essa vantagem jurídica (o julgamento e as decisões só podem ser feitas pelo Superior Tribunal Federal), ou seja,  restrito aos crimes praticados durante o exercício do mandato. “O foro privilegiado serve de escudo  para a impunidade. Defendemos que seja aplicado ao alto escalão no exercício do seu mandato, e todos os demais casos caem para o juiz de primeira instância. Nos Estados Unidos, recentemente Donald Trump teve uma decisão sua em relação à imigração cassada em primeira instância”, lembrou. Breier afirmou que os políticos investigados buscam a reeleição para blindagem. “O político hoje busca a eleição – ou reeleição – não para tocar seus projetos, mas para não ser responsabilizado pelos seus atos. O Supremo Tribunal Federal não tem capacidade para julgar ações com o foro, pois a demora na tramitação é acima do normal. Por isso, somos contra”.

Voto consciente: a arma para mudar o Brasil

A descrença e o desânimo da população brasileira com os candidatos aos cargos municipais ficaram claros em levantamento feito pelo Tribunal Superior Eleitoral. Das 27 capitais, em 22 o número de abstenções, votos brancos e nulos superaram a votação do primeiro colocado na corrida pela prefeitura no primeiro turno. No segundo turno, conforme o TSE, três em cada 10 eleitores não votaram ninguém, considerando todas as cidades. Ricardo Breier avaliou os dados sob outra ótica. “Não foram apresentadas caras novas. Gostaria que fosse feito um levantamento de quantos novos políticos concorreram ano passado. Dizer “não” sob a forma do voto já diz bastante sobre o pensamento da população, estes que concorreram não mereciam. Na minha visão, esses votos foram em virtude da falta de opção. Mesmo assim, esse movimento não foi suficiente para os velhos políticos, na maioria dos casos, deixarem o poder”.

Em março de 2018, a campanha “Brasil, liberta-te” dará espaço para outro movimento promovido pela OAB. Chamada de “Voto Consciente”, a intenção é trazer à população informação e orientação acerca dos possíveis candidatos aos cargos do executivo e legislativo, com o objetivo de induzir o voto àqueles que não estejam ligados a casos de corrupção ou com investigação em curso. Uma forma de limpar o Brasil é trazer à luz políticos mais interessados naquilo que a população necessita e espera ver através da reversão dos impostos em investimentos. “Em 2018, a sociedade tem que usar o voto como mudança, não como protesto. O voto de protesto não mudou a política. Há bons políticos, sufocados com esse momento, e temos que reconhecê-los em meio a esse turbilhão. Precisamos fazer um juízo crítico acerca dos candidatos”, afirmou. O líder da OAB/RS também fez um apelo, levando em conta as novas gerações que virão. “A política que temos hoje comprometeu pelo menos quatro ou cinco gerações. Desde a ditadura e todas as suas restrições, nós temos gerações dizimadas em pensamento e atitude. Temos que plantar agora para que essas quatro ou cinco gerações possam colher algo diferente”.

 

Texto publicado na edição 35 da revista Gente que Faz

Por João  Carlos Dienstmann

Fotos Tom Dinarte

 

 

 

 

 



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